18 de junho de 2010

Onde estão os nossos palhaços?


Onde estão os nossos palhaços? Os palhaços filhos da nossa terra e criados a partir da necessidade do povo em brincar a sua maneira, de transformar sua realidade em festa e seus instrumentos de trabalho em ferramentas da arte? Essas são algumas das perguntas que nos motivaram a enfiar nossos narizes de palhaço no campo da pesquisa.

Com a contemplação do Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo a pesquisa sobre os Palhaços da cultura popular brasileira conseguiu se concretizar e se transformar nesse estudo sobre a investigação dos palhaços brasileiros inseridos nas brincadeiras e manifestações populares. Como conseqüência da pesquisa foi possível alçar novos vôos na busca de diferentes maneiras de se fazer, ver e aprender tal arte.

A busca foi o mergulho dentro das manifestações culturais como O Pastoril Profano, A Folia de Reis, O Cavalo-Marinho (ou Bumba-meu-boi) entre outras. O estudo tem como referência leitura de livros sobre os temas, conversa com pesquisadores, estudiosos da área, intelectuais e entrevistas com palhaços atuantes.

Esses palhaços, personagens cômicos, ora lembram o nosso palhaço tradicional como: Picolino, Arrelia, Carequinha, etc. Ora negros fugidos ou mascarados protetores do menino Deus. Procuramos sempre, nessa pesquisa, preservar os saberes daqueles que dão sentido e novos signifcados a palavra “brincar”, pois a maioria dos participantes da cultura popular não se intitulam bailarinos, atores, cantores e sim “brincantes”.

Palhaço é um personagem antigo, cômico que todos estão normalmente habituados a reconhecê-lo com sua máscara muito tradicional: o seu nariz vermelho saltitando do rosto. Porém, os personagens palhaços encontrados nessas festas populares não possuem, em sua maioria, o nariz vermelho mas demonstram nas roupas diferentes, maquiagens carregadas de carvão e sotaques engraçados , características nacionais, fazendo brincadeiras com nosso português, utilizando dos nossos ritmos musicais, abusando da nossa gestualidade, se inspirando em nossos hábitos cotidianos para mostrar suas intervenções com originalidade e sabedoria . São grandes artistas e possuem histórias curiosíssimas além de serem merecedores da nossa
valorização como personagens cômicos para uma referência ao palhaço brasileiro
de maneira geral.

Para conhecer nossos palhaços foi preciso viajar e vivenciar as entranhas do nosso país. Conhecemos não só os palhaços nessas viagens, mas também o povo e a paisagem que são a inspiração desses personagens que imitam e parodiam a vida. Um dos locais foi a Zona da Mata de Pernambuco, situado na casa de um brincante de Cavalo Marinho chamado Aguinaldo da Silva que vivenciamos esse “estado do brincar” tão presente. Agnaldo foi uma ponte essencial, que nos levou até dois palhaços importantíssimos para esta pesquisa: Mateus Martelo e Mateus Borba. Cada palhaço que conhecemos foi uma fonte de poesia, musicalidade, graça, sabedoria de vida, ideologia e irreverência.

Nós, amantes da palhaçaria, degustamos cada uma das entrevistas, dos diálogos e das apresentações, concedidas de forma muito generosa com total atenção. Não foi desperdiçada nenhuma peça fundamental desse jogo de quebra-cabeça cheio de charadas e versos em rimas, que só um autêntico palhaço pode nos apresentar:

“ O SENHOR VAI SABÊ, VAI SABIÁ E VAI SABENDO...”

Mateus Borba

Os nossos palhaços estão bordados pela cultura que compõem a nossa história manifestando o imaginário popular na sua mais alta potência e densidade.

Se estudarmos a arte do palhaço tendo em vista o palhaço brasileiro seremos capazes de entender melhor, não somente essa arte, mas também, o ser brasileiro. Eles são o espelho de nossa sociedade. Representam a voz de povos cuja memória e sabedoria foram pouco valorizadas. Nossos palhaços estão por aí. Alguns um pouco cansados convenhamos, devido à desvalorização, às difculdades da vida material, à ausência de cidadania e à difculdade de alcançar uma vida mais digna. Porém ainda intensos, poéticos, criativos, intrigantes e contraditórios. Cheios de histórias para contar e histórias no qual nem percebemos que são sobre nós mesmos. Eles estão espalhados pelos quatro cantos desse nosso país paradoxal entre
maravilhas e misérias. Esperamos que este trabalho facilite o acesso aos estudos desse ofício, complementando e, de certa forma, sugerindo a importância desses como parte fundamental para o entendimento global da palhaçaria brasileira.

“O teatro brasileiro precisa ser descoberto. Pouco se tem feito nesse sentido e essas formas primitivas de arte popular fornece- rão um mundo de sugestões que poderão ser transpostas para o palco sem prejuízo de sua pureza e essência”

Hermilo Borba Filho


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