30 de junho de 2010

ENTREVISTA COM MARIA ALICE AMORIM

COMENTE SOBRE MATEUS E CATIRINA:
Não só no Bumba meu Boi ou Cavalo Marinho aqui de Recife mas também no Maracatu Rural tem os personagens Mateus e Catirina sua mulher que juntos formam um par, os dois são bem engraçados! Normalmente a Catirina é um homem vestido de mulher e que prepara a sua fantasia de um modo a entender que esta grávida. Uma característica bem marcante também é que ela geralmente vem com uma boneca na mão e um gererê que é um instrumento de pesca, mas as palhaçadas e presepadas são feitas em dupla, o Mateus e a Catirina.
Segundo pesquisas de Roberto Benjamim,o Caboclo de Lança do Maracatu Rural seria um proto - Mateus, ou seja um arque Mateus. Agente tem uma série de hipóteses à respeito da constituição do Maracatu Rural à partir da existência atual dos personagens. O Mateus tanto do Cavalo Marinho (Bumba meu Boi), quanto do Maracatu e o Caboclo de Lança têm a fantasia parecida ,só que no Caboclo de Lance essa fantasia foi se sofisticando. A fantasia do Mateus tem chocalhos nas costas, ele se veste com uma camisa florida com cores fortes, esses chocalhos são paródias dos chocalhos dos Caboclos de Lança.
Nos desenhos de Lula Cardoso Aires um artista plástico nosso, ele retrata o Caboclo de Lança com o chapéu em cone assim como o do Mateus. Qual seria digamos a principal função desse personagem ? Ele sai fazendo brincadeiras, chamando o público, chamando a atenção das pessoas como se estivesse inaugurando a abertura daquele espetáculo que vai ser apresentado, aquela festa que vai se iniciar. Antigamente quando eles andavam de engenho para engenho e ainda não tinham a coisa de pegar o ônibus ,eles saíam à pé para se apresentarem formalmente . Se apresentavam brincando, se divertindo e divertindo as pessoas dos engenhos e depois voltavam à pé, e o Mateus sempre na frente com a Catirina para fazer um bocado de coisas .
Hoje agente ainda encontra coisas muito parecidas em festas de Portugal ,tipos que assustam os meninos ,fazem mungangas ... Munganga é presepada, careta, galhofas .
Voltando um pouco, aí Mateus e Catirina iam na frente a caminho dos engenhos abrindo a chegada do grupo, eles faziam as entradas, iam na frente pediam dinheiro. Esses rituais acontecem hoje também só que com alterações devido as adaptações e circunstâncias atuais. Hoje muitas pessoas se oficializaram um bocado, por exemplo hoje tem a questão do cachê que a prefeitura paga ,ou quem os promovem, então não tem mais essa coisa de sair arrecadando dinheiro, porque previamente já se sabe que o contrato implica num tanto em pagamento. Antigamente eles saiam fazendo isso, indo nas cozinhas dos engenhos, e até roubando comida! Mas de toda forma a principal função deles era essa coisa da alegria, do chamariz, de divertir e entreter as pessoas enquanto o grupo ia chegando e se preparando. E é bem assim até hoje!São muitos recursos que eles utilizam de forma improvisada , e não adianta porque um Mateus sem Catirina realmente tem que ter muito talento se não sozinho é fácil dele ficar insípido e sem graça. Tem umas Catitas que são fenomenais ! São impagáveis, essas que todo mundo adora e gosta de ver. Em Nazaré da Mata lugar muito tradicional dos Maracatus as pessoas conhecem bem alguns Catitas, assim pelo nome mesmo e reconhecem bem o potencial delas para a dramatização. É o conjunto do personagem que marca, a roupa ,o jeito de se portar diante do público, porque é uma encenação , não é ? É um dos personagens central do teatro de rua e seus acessórios. A Catirina tem a boneca , o vestido que ela se abana de calor falando que precisa se encontrar com Mateus aí tem a coisa de jogar a boneca no chão e ficar esperando que alguém bote dinheiro junto da boneca e depois ela inventa de chegar perto de alguém e dar uma cantada na pessoa ...Enfim é assim, um trabalho e uma atuação em dupla que os dois Mateus e Catirina são bem importante, um dando suporte ao outro ,formando juntos esse par jocoso e pícaro!

A POSTURA POLÍTICA NOS PERSONAGENS:
A Catita é um homem vestido de mulher ,ou seja uma caricatura de mulher. Ela pinta o rosto como o Mateus todo de preto. Ela representa no Cavalo Marinho a mulher do Mateus que esta grávida e com desejo de comer uma parte Boi e aí o boi tem que morrer, só que o Mateus no Cavalo Marinho é uma espécie de vaqueiro que tem o dever de cuidar do Gado da fazendo. É uma representação de um tema bastante popular e tradicional, porém tanto o Mateus quanto a Catirina na representação e no improviso representam e tem uma postura de crítica social .Inclusive tem Catitas e Mateus que são isolados ,ou seja a pessoa que os representa resolve extrair se do grupo e ao invés de participar do folguedo se apresenta sozinho no Carnaval. Tem muitas Catitas e Mateus que são isolados, que não fazem parte de nenhum Maracatu ou qualquer outro folguedo .


CARETAS E MATEUS:
Existe também a hipóteses de que o Mateus é um nego fugido ,tem muitos pesquisadores que falam sobre isso ,eu não sei se eu consideraria os Mateus dessa forma pelo seguinte :Claro que existe a contextualização da cultura local mas em Portugal por exemplo existem os folguedos que tem personagens muito parecidos com o que o Mateus faz. Eu já fui em duas festas em momentos diferentes lá que são bem emblemáticas ,uma no festejo do solsticio de verão e a outro de inverno ,no nordeste de Portugal na região de Miranda, Bragança tem uma festa que se chama festa dos rapazes e eles saem vestidos com as roupas muito parecidas. Usam máscara ,chapéu em cone , roupa com fitas e bem coloridas, uns chocalinhos nas costas e são chamados de Caretos que certamente tem relação com os Caretas daqui, mas os Caretas daqui são do Natal,da época do Natal e no carnaval principalmente em Triunfo(PE) . Os Caretas de Triunfo saem com chocalhinhos nas costas e mascarados e trazem um chicote , lá em Portugal também tem o chicote que eles dão no ar para espantar a criançada , os chocalhinhos tem a função ritualística de afugentar os maus espíritos . Então existem elementos de confluências . Já os nossos Mateus, na verdade não usam máscaras e sim pintura que funciona como uma espécie de máscara , quer dizer de certa forma eles estão mascarando o rosto com aquele desenho , aquela tinta . No Sertão, em Petrolina ,São Francisco , na região de Joazeiro do Ceará , em Oripuri, os Caretas da Semana Santa fazem também coisas bem semelhantes, ou seja usam as máscaras, chocalhos ,chicotes e vão de casa em casa assim como os Mateus ,espantando os meninos, roubando comida ...Esses tem muita relação também com os Caretas que agente vê na região do Maranhão por exemplo que se apresentam no Natal ,e que tem haver com os Reisados e Folias de Reis também ,são também mascarados ,usam essa roupa que cobre o corpo todo , chocalhinhos e chicotes.


MATEUS E O NEGRO FUGIDO:
Na minha opinião é precário agente relacionar de cara o Cavalo Marinho com a senzala porque eu acho que agente tem coisas muito mais antigas do que essa relação direta com o negro fugido, com o negro escravo. Todas essas influências vêm de muito tempo ,desde que os Portugueses começaram a chegar aqui ,e aí o que agente percebe ? Que lá em Portugal são festas que celebram as passagens das estações do ano ,então são ritos pré cristão ,entendeu? Mesmo que hoje estejam incorporados no calendário católico. Por exemplo a Bugiada que eu assisti em Valongo numa região próxima do porto em Portugal é uma Festa com teatro de rua o dia inteiro e com a comemoração do solestício de verão . O calendário atual de Festas de Rua foi todo adaptado com a Igreja Católica por conveniência própria, porque queriam impor a sua religião ,ou seja queriam tornar a religião hegemônica. As festas populares em geral são muito ritualísticas , a festa dos Caretas em Portugal é um rito de passagem e uma atração fortíssima entre os adolescentes. Antigamente os jovens quando deixavam de ser crianças e entravam na juventude , os pais os colocavam para serem Caretos e assim isso foi ganhando adequações. Outra semelhança é que lá em Portugal têm mulheres que são Caretos ,então eu acho que existem muitos vínculos nesses personagens. A própria coisa de querer afugentar as pessoas, espantar ,roubar comida ,sair se divertindo. Existe um conjunto de informações , um repertório que se repete recorrente e acho que essas recorrências são bem importantes para agente digamos usar como hipóteses, acho que não precisa ir atrás da origem ,quer dizer, achar aonde começou o que. São camadas e camadas que vão se sobrepondo e aí uma camada começa a descascar e aí aparecem outras e outras ...E assim a coisa vai se mostrando mais e mais complexa ou seja mais rica!




O CAVALO MARINHO E A COMMÉDIA DELL ARTE:

Esse é um aspecto bem interessante também e fundamental ,bacana para se pesquisar porque existem algumas pesquisas mas acho interessante poder aprofundar mais esses aspectos em comum . A relação da Commédia Dell Arte lá na própria Europa, ou seja o que significa isso para os Portugueses, digamos que não tenha nenhuma influência direta com aqui ,mas por meio dos que vieram... A questão das migrações Italianas ,ou seja buscar como e quando aconteceram as migrações mais fortes... E antes das migrações como era? Será que é possível identificar? O certo é que das coisa que eu vi em Portugal eles tem também muito forte essa coisa das festas de rua e da arte popular . Na Bugiada em Portugal tem um monte de improviso teatral que são críticas sociais. Tinha uma época que estava tendo uma praga de febre aftosa lá em Portugal e aí eu vi várias esquetes teatrais com esse tema e com ele a questão dos políticos , eles falavam claramente de um político deles ,que eu não me lembro o nome agora, bem corrupto, que estava no alvo de uma série de escândalos. Então esses escândalos da política serviam de mote para essas encenações teatrais .Lá em Nazaré da Mata (PE) por exemplo eu vi também várias encenações desse tipo . Dois ou três amigos que resolviam se juntar e sair pelas ruas encenando. Na época das Torres Gêmeas por exemplo , ou então temas como as guerras mais recentes entre o Irã e o Iraque também...Então eles saiam, um fantasiado de Bush o outro de Osama Bin Laden , ou uns de soldados americanos indo atacar o oriente e tal...Entende? Ou seja também temos isso aqui . E aí tem essa coisa do Mateus que decide não entrar em nenhum grupo para assim poder fazer o seu próprio espetáculo e dizer o que quiser sem a censura de seu grupo mas podendo se manifestar atráves de seu personagem.


O VELHO DO PASTORIL:
Acho bem interessante essa coisa do cômico também que se manifesta em vários ciclos festivos, pois não é só no Carnaval que tem isso. Tem também a coisa de a mesma pessoa que faz um personagem no natal faz outro personagem em outro ciclo ou seja em outra festividade. O Velho Consolo de Pastoril Profano por exemplo, sai no Carnaval de Morto carregando o vivo que também é um personagem bem interessante do Cavalo Marinho. Já no Natal é um conhecido Velho de Pastoril Profano. O Velho Consolo é um Velho de Pastoril Profano bem tradicional, ele já é um Senhor e esta muito velhinho parece que esta morando na Paraíba, mas estava há um tempinho atrás vivendo em Goiana .Esse Velho de Pastoril é um Velho muito interessante e engraçado ! Vai para as festas levando as meninas prostitutas que o acompanham. Quem esteve muito perto dele é o Roberto Benjamim que queria apresentar inclusive a candidatura dele como patrimônio vivo de Pernanbuco . Este artista ou seja o Velho Consolo vive na miséria é muito pobre ... uma vez agente chegou na casa dele e ele estava no terraço em volta de um monte de coco seco tirando junto com a mulher as cascas do coco que ele montava para fazer uns abajures e que depois vendia na feira lá de Goiana. Para agente é triste pois vimos a repercussão dele, tanto aqui em Recife quanto na Praça do Arcenal e também lá em Goiana. Quando eu fui assistir ele só tinham homens assistindo! O Partoril Profano tem o sentido de ser uma apresentação quase que como um tipo de Cabaré e este Velho Chamego usa bastante a questão da obscenidade, da música de duplo sentido o tempo inteiro. Agora ele esta bem velhinho, não tem mais aquele vigor! Eu tenho algumas fotos dele, só teria que localiza las aqui .



VELHO CONSOLO POR MARIA ALICE AMORIM



Temos tipos e qualidades diferentes de Velhos do pastoril tem o Velho Xaveco por exemplo e o Velho Consolo, acho que eles tem trabalhos bem diferentes. Acho que o Xaveco e o Mangaba por exemplo digamos são mais a estilização da coisa, nesses encontramos a roupa já toda arrumadinha. Alguns pesquisadores chamam isso de para folclórico ,ou seja não é uma coisa que é tradicional ,eles fizeram uma pesquisa ,entrevistaram vários Velhos de Pastoril, tanto o Mangaba quanto o Xaveco, o Xaveco é um pouquinho mais próximo dessa cultura ,mas de toda forma a apresentação dele é uma coisa bem dentro daquele padrão mais turístico mesmo, tudo arrumadinho , não é que eu ache feio, nem ruim ,mas é diferente da realidade desses outros Velhos ,que vivem ali fora desses holofotes , tem um outro que eu não me lembro o nome dele agora que vive na região de Itapetinga, eu vi ele se apresentando no início do ano .Itapetinga é uma cidade que fica próxima a Nazaré da Mata e o padroeiro é São Sebastião, lá tem uma grande Festa entre o dia 10 e 20 de janeiro e nessa época tem um monte de festas de rua e espetáculos ,foi aí então que eu vi esse Pastoril que era muito especial ,muito engraçado! Bem picante, e as moças também não estavam nem aí ,não estavam vivendo um papel não ,nem eram atrizes ou bailarinas que estudaram dança ou teatro , as roupas eram doadas pela comunidade e as meninas prostitutas dessa comunidade. Assistindo só homens!
Mas enfim eu apenas estou apontando que é diferente. Eu gosto dos dois tipos de artistas, entende? São estilos diferentes ,histórias de vida diferentes. Eu gosto muito do Xaveco, sou amiga dele e o acompanho muito! Fiz várias entrevistas com ele, já fiz fotos e tal, só que assim, são coisas diferentes ,a matriz claro é a mesma mas a forma de estar diante do público é diferente, entendeu? Não que eu prefira um ao outro. Eu gosto de ver as diferenças e digamos usufruir delas. Então por exemplo o Velho Consolo é bem característico mas ele esta já sem energia, mas quando o Velho Consolo apresentava na comunidade dele por exemplo quem ia ver? Quem via era o público dali. Não tinha nenhuma participação da industria cultural é tudo feito mais por diversão e pronto ! Diversão para aquelas pessoas que estão vivendo ali. Enquanto que o grupo do Velho Mangaba já dialoga mais para outros públicos mesmo, de teatro e tal .Acho tudo válido. Tudo faz parte é a tradição dentro de seus percursos ou seja tem aí toda uma linha de continuidade. A coisa da picardia ,do duplo sentido. Tudo já é um fio de continuidade. A própria apresentação de música, dança e o corpo sensual isso tudo é uma continuidade. E é tudo isso que eu acho interessante!


MATEUS E CLÓVIS:
Acho que a história dos mascarados tem bastante vínculo com os Mateus também. Aqui temos também um personagem chamado Clóvis que são mascarados , esses saem somente em grupos, principalmente em Olinda (PE) e com o corpo todo coberto, vestidos com macacões floridos e luvas para não serem identificados pelas mãos, a mascara de rosto também cobre a cabeça toda conferindo lhes um visual muito bonito ,mas não consigo ver a coisa do cômico neles ,da relação com o palhaço diretamente. Acho que eles tem uma relação com os Mateus sim mas não no sentido da função de fazer rir , eles não interagem dessa forma e sim através do enigmático...Eles não chegam a assustar pois as máscaras são bem bonitas, bem trabalhadas, desenhadas e esculpidas ,a maioria delas são feitas de papel machê, eles pintam as bochecha, os olhos, a boca, é muito bonito!


E O PALHAÇO O QUE É?
Quando eu era criança o palhaço morava no circo mas depois que eu vim morar no Recife e comecei a me envolver e mergulhar nesse folguedos eu vi quantas nuanças e facetas tem o palhaço ,então eu acho muito rico isso e gosto muito de ver essas diferentes formas de ver e apresentar o palhaço. É muito engraçado e divertido ,é surpreendente pois as vezes o palhaço fica tão dentro daquele estigma, daquele modelo clichê de palhaço e isso para mim fica muito cansativo, o velho calhambeque, as velhas gags e tal , quanto aos palhaços como personagens dos folguedos aí eu já acho que eles realmente se fazem presentes ,improvisando o tempo inteiro e o repertório é muito mais diversificado com relação a esses recursos, tanto os recursos de cenografia como de atuação.
Os espetáculos populares tem um aspectos catárticos de transfiguração da realidade, pois a realidade é realmente muito dura para todo mundo, e assim como o poeta quer transpor a realidade ,transfigura la e se livrar das amarras da dureza da vida ,acho que todo artista faz isso! E o palhaço faz também.
A inversão do palhaço:
O palhaço trabalha muito com a idéia de inversão ,a vida pelo avesso. O Mestre Vitalino que fazia muitos personagens de barro criou um personagem de carnaval que se sentava no burro ao contrário. Eu vi isso lá em Portugal também na festa da Bugiada! Mas era um cobrador de impostos. Nessa festa encontramos muitas influências da época Medieval , então esse cobrador de impostos cobrava os impostos lá no espetáculo montado num cavalo e se sentava de costas para a cabeça do cavalo ,ele tinha também um objeto na mão que se não me engano era um cipó bem grande e assim ele ia abordando as pessoas para a cobrança dos impostos. Essa coisa das sátiras e da desconstrução do real e da sisudez da seriedade das regras e imposições é algo fascinante.


MISTÉRIOS E CURIOSIDADES NAS CULTURAS POPULARES:
As religiões e crenças envolvida nesses folguedos populares e nessas festas não nos ficam muito claras, porque eles mesmos preferem não falar sobre isso ,tanto por causa da repressão quanto também para preservar o segredo da religião, são segredos que são guardados para os não iniciados.
No Maracatu Rural são muito fortes esses aspectos. Existem muitos rituais com relações religiosas profundas . O Maracatu Nação esta ligado a um terreiro de candomblé por exemplo. Nos Maracatus Rurais eles não tem um vínculo tão explícita e restrita à um terreiro específico. Tem muita gente da Jurema ,da Umbanda e do Candomblé . Vimos isso nas roupas ,em alguns símbolos, nas cores ,nas baianas... Muitos vão para o terreiro antes do carnaval e durante o carnaval deixam lá o apito ,a bengala ,a batuta ,ou alguma coisa simbólica de valor e depois retiram quando acaba as festas do carnaval, esse é um dos exemplos ,mas podemos encontrar mais uma série de outras tradições que eles seguem. Os Mateus também tem essas relações com o sagrado. E isso vai para os Folguedos cada personagem cumpre uma função espiritual. Por exemplo em um Maracatu de Nazaré da Mata (PE) tinha um grupo de mascarados chamados de Papangu, esses personagens já estavam nas procissões de semana Santa, usavam máscaras de couro de bode particularmente muito enigmáticos! Mas tarde descobri que estes mascarados foram colocados naquele ano no Maracatu porque o dono do terreiro que estava fazendo o trabalho espiritual daquele grupo recomendou que deveriam colocar os mascarados servindo de anteparo para rebaterem as energias negativas ou seja servindo para descarrego. Os Mateus e Catirinas também tem essas funções. Nessas tradições eles usam muito esses recursos , inclusive mediante a prescrição de quem esta fazendo a direção espiritual do grupo.
Na verdade ,entre eles, Mateus, Catirina, Bastião são chamados de personagens sujos. Sujos porque se pintam com tinta preta no rosto. O dono desse Maracatu que eu falei sempre me dizia que esses personagens sujos são usados também dentro das ritualisticas para fazer a limpeza do ambiente.
O mestre da cabocaria que é quem organiza o grupo de Caboclos é o de frente e tem que fazer esse trabalho para proteger não só ele mas o grupo que ele representa . Muitas usam o cachimbo para fazer a defumação do ambiente, ou o charuto. No Carnaval por exemplo eles fazem isso na hora de chegar no terreiro o mestre vai chamando um por um e depois dois em dois até formar o grupo todo onde eles dançam ali e depois se aprontam para apresentar na cidade ,aí nas cidades eles fazem essa defumação do ambiente que pode ser o mestre da cabocaria ou o Arreia Mar que é aquele que se fantasia de índio, ou e o próprio Mateus. A defumação é muito interessante pois tem a relação com o terreiro e a relação de limpar o ambiente. No livro de Câmara Cascudo ele abre toda a informação de como é que eles fazem para limpar o ambiente , pega-se o cachimbo, da- se umas cachimbadas pelo lado do fumo e começa-se a soprar no sentido contrário e esse daí é o Pai Veio né? Eu tenho uma foto inclusive de um Mateus fazendo isso!



O PALHAÇO BRASILEIRO EM SÃO PAULO:

Eu vi em São Paulo alguns espetáculos de palhaço muito estilizados, sabe? E fica uma coisa meio falsa quando eles querem fazer algo do nordeste ,eu não me lembro agora o que era direito mas tinha uma linguagem de circo misturado com a poética do cordel e que tinha vínculos com a Commedia Dell Arte e com os nossos espetáculos de rua do nordeste ,ou seja eles tentaram contextualizar a Commedia Dell Arte numa abordagem nacional e nordestina ,mas aí ficou muito artificial e sem graça . Para mim eu vejo muito mais indo nos espetáculos de rua ,nesses folguedos populares do que nesses espetáculos mais intelectualizados e com intercessões com a linguagem do palhaço de teatro e circo ,na rua eu vejo muito mais convencimento do que nesses personagens ,resumindo eu acho muito mais vivo! Muito mais engraçado! Mas acho que na verdade eu não tive muita sorte pois quando fui para São Paulo não tive a oportunidade de ver outros grupos mais consistentes.
Acho que unidade encontro mesmo é em Folguedos sabe? Independente se for de Minas ,São Paulo, daqui ou do Maranhão, eu encontro mais unidade do que se eu decidir ampliar para esses outros palhaços ,acho que nos folguedos agente pode encontrar mais uma identidade digamos na questão do personagem do que em relação ao protótipo do palhaço brasileiro.


Eu me identifico mais com essa brasilidade desse personagem ou seja desse palhaço popular dos folguedos tradicionais onde tem parece que um fio que liga e que mostra mais confluência e consistência do que quando assisto outros tipos de palhaços. Talvez por causa das características também do circo e do teatro de rua. Nos folguedos agente encontra o canto, a dança ,a música ,o teatro tudo junto e tem as roupas, o conjunto visual, o conjunto de habilidades que mostra muito mais o universo brasileiro .

-para nós é intrigante ver que o Festival de Circo que acabou de acontecer aqui em Recife ter apresentações só com franceses e paulistanos. Cadê os palhaços do Pastoril ,os Bastião, os Mateus?

Porque eles são considerados um universo à parte ,entende? Eles estão fora desse universo de circo do palhaços. Acho que ainda não foi feita essa conexão ,que é o que vocês estão fazendo. Essa conexão desses dois universos atravessarem juntos e conviverem .

-Você acha que os palhaços da cultura popular brasileira sofrem uma marginalização?
Não .Acho que eles já vivem numa condição marginal desde muito tempo .Acho que não somente o poder público mas também muitas outras atitudes deveriam ser tomadas em relação a isso, mesmo as organizações de festivais ,esses eventos mesmo, por exemplo ,eu fui ver num festival de circo um grupo francês ,e demorei para achar engraçado, entendeu ? Tinha graça mas era muito previsível .Não só eu mas o público em geral demoravam a ter reações .Eu senti que eles eram muito técnicos, técnicos de mais. Tanto que a parte mais bacana foi o momento em que começaram a fazer as acrobacias e não na hora das palhaçadas. Acho que o cômico do improviso é muito mais legal ! E só é bacana quando é improviso de verdade, com o público ali, interagindo mesmo, pegando as coisas ali, o tempo inteiro. Tem outra coisa interessante no espetáculo de rua que é o não existir barreira entre o público e a pessoa que esta atuando. Por exemplo no Cavalo Marinho o personagem Ambrósio chega com as máscaras para vender: “Tô vendendo máscara! Quem quer máscara?” Aí um chega e responde : “Eu quero!” Então a coisa se dá ali, normal conversando no tempo em comum .Quer dizer, não tem essa separação. O Mateus por exemplo dá bexigada no povo! Solta versos com características das pessoas que estão assistindo naquela hora.

Mas não é só a estrutura do teatro popular que garante essa interação, tanto que assim, por exemplo, comparando ao cordel, nem todo Cordel é lindo, é maravilhoso porque é uma literatura popular! Não é. Isso tem um limite. O cara tem que ter talento poético, além de dominar a técnica da poesia de forma fixa ,tem que saber realmente dominar aquela linguagem artística ,então é a mesma coisa para o Mateus por exemplo, ele tem que dominar aquela linguagem artística. E ele só vai dominar aquela linguagem artística se realmente ele tiver talento, porque não basta saber a técnica ,ou seja não basta conhecer o enredo do cavalo Marinho ,tipo a agora o Ambrósio vai entrar com a s máscaras! Tem que ter realmente o talento, não é só a estrutura do espetáculo que vai garantir !Tano que por isso que as pessoas ou qualquer artista de outra extração social ou ambiente cultural e diz: “Ai como isso é fácil de fazer!Eu sei fazer isso também” E quando vai tentar fazer fica naquela impostação ,um pastiche sem graça nenhuma ,sem sabor .

-É. Não é só porque a pessoa esta com a cara pintada de preto que é um Mateus, para mim a linguagem do palhaço é universal, no sentido de que tanto um Chaplin quanto um Mateus tem características em comum ,gestuais ,transgressões, estado cômico.
Isso é interessante pois a questão de algumas pessoas que acham que tudo que é feito na rua ,festa popular e tudo mais tem a maior graça e é maravilhoso. Não! Existem as sutilezas, a coisa do preparo para aquilo, mas que não é um preparo artificial e sim um preparo que brota de dentro mesmo.


- O Grimário comenta que para ele da experiência que ele tem de todas essas pessoas que pintam a cara de preto o que para ele tem o conjunto completo de sacação ,de malícia ,de canto ,de dança ,de generosidade ,não é nem um Mateus e sim um Bastião, ele falou isso ontem para a gente! Para nós isso se confirma que o verdadeiro palhaço não faz nem questão de ser o mais visto.
Aí é a surpresa maior pois aí convence mais e surpreende mais.

-É por que agente esta olhando para lá mas quando agente olha para o outro lado percebe que existe algo muito mais interessante e que esta escondidinho e que ninguém vê! O anti- herói.
É como o João Grilo e Chicó que o Ariano Suassuna colocou bem na peça dele no Auto da Compadecida mas que são personagens do romanceiro tradicional das tradições orais e que agente encontra em cordel .

-E que quando foi para a televisão foram dois sulistas né? Um carioca e um paulistano...Te convenceram?
Mais ou menos acho que sempre fica meio caricato, né ? Mas são bons atores. Se fossem dois atores daqui do nordeste, claro com talento também. Na verdade o que eu não gosto muito é quando se imita o sotaque, acho que realmente isso derruba. Ninguém consegue imitar realmente um sotaque, fica sempre caricatura. A coisa do sotaque é assim, vocês acham o da gente interessante, agente pode achar o de vocês interessante ,mas nunca agente vai conseguir reproduzir realmente o do outro.

-Para um paulistano fazer o Mateus ,ele deve se apropriar do universo dele paulistano e fazer o Mateus de um jeito dele .Porque isso é um cultura viva ,e não é para imitar .Se não vira cópia, sem força. Um paulistano que não veio da Zona da mata tem e viveu outra história ,a realidade dele é uma ,se não vira teatro representação ao invés de presentação.