LETÍCIA SABATELLA DIRIGIU UM FILME SOBRE OS PALHAÇOS ÍNDIGENAS QUE TEM COMO UMA ESPÉCIE DE SACERDOTE DE RISO NA TRIBO UM PALHAÇO ,DENOMINADO HOTXUÁ
O filme busca o lado positivo da vida da tribo Krahô, destacando a existência dos Hotxuás, que têm a função social de entreter a tribo, mantendo a sua auto-estima e integridade, fazendo-a superar as dificuldades através do humor. "Ele é um líder estimulante dentro da aldeia, responsável pela harmonia e alegria dos outros membros, e quem busca a saída para fracassos e dificuldades que se abatem sobre a tribo. O que é curioso é que eles passaram por muitas dificuldades históricas, como massacres por parte dos latifundiários, mas sempre se superaram, com a ajuda do Hotxuá”, diz a atriz.
Sérgio Rodrigo Reis (EM Cultura) informa que o registro poético do cotidiano dos krahôs feito pelo documentário tem origem nos rituais. São três as crenças mais importantes: a harmonia da natureza, a força das plantas e a celebração da vida. Para eles, a natureza é dividida entre os partidários do Sol (wakmiyé) e os do clima úmido (katamiyé). Cada segmento possui um cacique, que rege a tribo de acordo com a situação climática. As duas forças são complementares e nenhuma pode superar a outra sob pretexto de atrapalhar o equilíbrio do universo.
Os krahôs acreditam ainda que as plantas foram presentes de Caxekwyj, uma estrela que veio do céu trazendo as sementes. Quando a estrela se transformou em moça, ensinou o povo a plantar e comer os frutos da terra. A cada planta associaram uma qualidade especial. À batata atribuíram a fertilidade e a mudança das estações; e às flores das abóboras, a origem do hotxuá. O filme entra no universo da tribo a partir da festa da batata.
O humor é um elemento de equilíbrio para os índios krahôs
Segundo Ricardo Puccetti (LUME), Hotxuá não é um personagem, mas uma função social que alguns escolhidos têm o privilégio de possuir. Esta função é passada pelo nome (que é o maior bem que um Kraó pode possuir), ou seja, quando um recém nascido recebe o nome, se este nome é dado por um hotxuá (o pai, um tio ou um amigo da família), a criança será hotxuá, podendo na adolescência optar definitivamente se vai querer ou não seguir neste papel. Também é possível alguém escolher ser hotxuá, desde que seja nomeado para que possa atuar com tal.
Os hotxuás têm importante participação no cotidiano da comunidade, sempre com o viés da comicidade, arrancando o riso das situações do dia a dia e brincando com as possibilidades de ver a vida sob outros ângulos, tendo permissão para fazer o que quiser e todos têm por ele um grande respeito e afeto.
Eles podem interferir nos afazeres das outras pessoas, podem provocar ou fazer as coisas "ao contrário", com um prazer infantil e um olhar inteligente que consegue perceber toda e qualquer oportunidade para fazer as pessoas rirem. O hotxuá pode começar a andar como um animal, cheio de contorções e caretas, no meio de um grupo de mulheres que cozinha e, de repente, pegar um bocado de comida de dentro da panela e começar a comer. Não pela boca, mas pelas orelhas, olhos e nariz. Todos caem na gargalhada e ninguém se aborrece porque ele pegou a comida.
A maquiagem, sempre muito pessoal, é feita com tinturas extraídas do urucum (vermelho), jenipapo (preto) e de pó de giz (branco). O curioso é que o vermelho, branco e preto também são as cores básicas das maquiagens do palhaço ocidental. Hotxuá é o palhaço em essência: com sua disponibilidade para o jogo e para o outro, seu prazer e capacidade de brincar com e para as pessoas.
20 de setembro de 2010
guarda: Estrela do Oriente
Reza do palhaço –soldado da guarda ESTRELA DO ORIENTE:
Palhaço:
“Partindo alegremente
Pra visitar o bom menino
Os três Reis do Oriente
Assim pra fazer suas viagem
Como os três vieram
Para o menino Deus visitarem
Foram os três...
Quando nos souberam
Nós(os palhaços) viajaram noite e dia
Pra eles visitar foi a estrela da guia
Passemos na casa do Reis Herodes
Reis Herodes foi malvado
Nos ensinou tudo errado
O lindo santo do caminho...
Mas os três reis como foram abençoado
Eles fizeram suas viagens pela uma estrela
Até Belém se chegaram
Ali se chegaram...a lapinha era pequena
Pra eles fazer suas visita
Todos os três não cabia
Mas para fazer sua visita
O primeiro chegou e se joelhou
Ele fez no seu joelho
Na palha da casa ele fez
Entregou o ouro
Ali o Deus menino se orou
O segundo chegou
E se joelhou
Ali o menino Deus se abençoou
O terceiro também chegou e se joelho
E fez as tuas presença
Quando a nossa senhora abençoado
O seu São José abençoou
Ali do pózinho daquela palha
Todos três se alevanto
e partindo alegremente
pra visitar o Deus menino
Foi aquele com os três Reis do Oriente
Deus salve casa santa onde Deus fez a morada
Onde mora o calisbento tem as hóstia consagrada
O bendito louvado seja
Todos eles até os paiaço-soldado
Eu mesmo vou dar o viva
Que é da minha obrigada
Deus salve todos!
Viva a estrela da guia!
Viva São José e Santa Maria!
Viva a linda profecia!
Viva todas companhia!
Viva todos que aqui estão!
Viva os devoto de coração!
E a sagrada união!
Viva a bonita população!
Viva toda a união!
Viva todos folião!
Viva eu e o bonitão!
...obrigado patrão...”
No final ele mostra a espada e fala...essa espada já foi de ferro e era para matar o menino Jesus...mas depois que vimos o poder do menino nos convertemos em seus protetores e nossas espadas passaram a ser de madeira.
nome da guarda: Estrela do Oriente
cidade de Araçatuba- SP
chefe da guarda: Antonio Maciel
Uma palhaça de Folia de Reis!
Encontramos uma palhaça da folia de reis,e perguntei a ela porque resolveu ser palhaça de folia de reis e ela respondeu:
M: Qual é o seu nome?
Mulher: Leide
Leide: “Deu gangrena na minha perna esquerda, eu sou enfermeira de profissão e eu fiz o voto que toda dança que louvasse santo dançando e fazendo esforço com os pés e com as mãos dela eu faria parte.
M: que beleza hein?
Leide :e sinto muita alegria
E todos que eu peço também recebem as benção.
Leide:e vc recebeu as benção?
( a mulher me mostra a perna esquerda...que estava normal)Essa é a perna que estava a gangrena.
Leide:é tá forte!
Leide: tive enfarte com duas parada, tive derrame, tenho argina, tenho gastrite.
M: E fica feliz da vida quando dança?
Leide: Ah!!... Eu choro se eu num vir...sinto muito mal...
M: Pode entoar um verso para agente?
Leide:
“Da raiz nasceu a rama
Da rama nasceu a flor
Da flor nasceu Maria
A mãe do nosso salvador.”
setembro de 2009
nossa entrevista com os Bastião de Cruzeiro
No Parque da Água Branca entrevistamos os palhaços da Folia de Reis Estrela da Guia de CRUZEIRO(interior Paulista)
Nome da guarda: Estrela da Guia-Cruzeiro
Me conta há quanto tempo vcs são palhaços:
Bastião 1:Eu já faz oito anos
Maria: é promessa ou opção?
Bastião: opção
M: Por amor?
B1:É por amor...
B2:É. Amor.
M: Como vc se chama?
B1:Antônio
B2:E eu sou o José.
M: Antônio e José estão juntos há quanto tempo?
José: Eu tô de palhaço há oito anos.
Antônio: Eu tô só há dois anos..
Antônio: Não José! Tamo na luta juntos...já saímos há muito antes...
José: E é...então é... oito anos memo ..eu também então. Estou há oito anos...
Antônio: E é oito do memo jeito deu.
M:E o que é o palhaço pra vcs na folia de reis?
José: Ah(pausa) pra nós é muito bom...né? É uma diversão pra nós
M: Os palhaços são os protetores de Jesus?
Antônio: É o protetor de Jesus.
José: Exatamente.
M: E quais são as brincadeiras que vcs fazem? Qual a função de vcs no folguedo?
José:...as brincadeiras é pular ...dançar...fazer graça e fazer os pessoal achar graça...
Antônio: Nós é a proteção dos Reis Magos.. que é o dono da compania da folia de reis. Então nos dá a proteção.
C:O que fez vcs serem os palhaços da folia de reis dessa Compania? Que momento vc pensaram: “Vou ser o palhaço”?
José: Agente foi convidado. A folia de Reis estava precisando de um palhaço eles convidaram agente e agente foi participar. Aí nós gostamos, porque não é ruim...(pequenos risos por de trás da máscara)
Antônio: Mas nos não somos a pessoa que escolhe ser paiaço
M: Ah..não é vcs que escolhem?
Antônio: Não. Não é nós não. É eles que resolvem o problema e chama agente.
M:E porque será que chamaram justamente vcs para serem os palhaços?
Antônio: Por Jesus.
José: Nós é o guarda de Jesus
C: Mas vcs se sentem assim...palhaços?
Antônio: Sim senhor. Perfeitamente.
31 de julho de 2010
12 de julho de 2010
O LIVRO
Nesse livro encontra-se uma síntese sobre cada manifestação pesquisada, alem de dados sobre o que são, onde atuam e principais características, dos palhaços, estudados, pesquisados e entrevistados. Através de textos e fragmentos de falas recolhidas foi possível elaborar reflexões a respeito de seus imaginários, ritualizações, fantasias e expressões. No último capítulo encontra-se entrevistas e fotos daqueles que atuam e dedicam a vida à sua profissão, missão, seu sonho e sua sina. (trecho do texto de apresentação do livro.
“Palhaços do nosso povo”, autoras: Maria Lulú e Monique Franco, orientador: Clerouak, Edição das autoras, 108 páginas, formato 15x21, Preço: R$ 20,00.
30 de junho de 2010
ENTREVISTA COM MARIA ALICE AMORIM
COMENTE SOBRE MATEUS E CATIRINA:
Não só no Bumba meu Boi ou Cavalo Marinho aqui de Recife mas também no Maracatu Rural tem os personagens Mateus e Catirina sua mulher que juntos formam um par, os dois são bem engraçados! Normalmente a Catirina é um homem vestido de mulher e que prepara a sua fantasia de um modo a entender que esta grávida. Uma característica bem marcante também é que ela geralmente vem com uma boneca na mão e um gererê que é um instrumento de pesca, mas as palhaçadas e presepadas são feitas em dupla, o Mateus e a Catirina.
Segundo pesquisas de Roberto Benjamim,o Caboclo de Lança do Maracatu Rural seria um proto - Mateus, ou seja um arque Mateus. Agente tem uma série de hipóteses à respeito da constituição do Maracatu Rural à partir da existência atual dos personagens. O Mateus tanto do Cavalo Marinho (Bumba meu Boi), quanto do Maracatu e o Caboclo de Lança têm a fantasia parecida ,só que no Caboclo de Lance essa fantasia foi se sofisticando. A fantasia do Mateus tem chocalhos nas costas, ele se veste com uma camisa florida com cores fortes, esses chocalhos são paródias dos chocalhos dos Caboclos de Lança.
Nos desenhos de Lula Cardoso Aires um artista plástico nosso, ele retrata o Caboclo de Lança com o chapéu em cone assim como o do Mateus. Qual seria digamos a principal função desse personagem ? Ele sai fazendo brincadeiras, chamando o público, chamando a atenção das pessoas como se estivesse inaugurando a abertura daquele espetáculo que vai ser apresentado, aquela festa que vai se iniciar. Antigamente quando eles andavam de engenho para engenho e ainda não tinham a coisa de pegar o ônibus ,eles saíam à pé para se apresentarem formalmente . Se apresentavam brincando, se divertindo e divertindo as pessoas dos engenhos e depois voltavam à pé, e o Mateus sempre na frente com a Catirina para fazer um bocado de coisas .
Hoje agente ainda encontra coisas muito parecidas em festas de Portugal ,tipos que assustam os meninos ,fazem mungangas ... Munganga é presepada, careta, galhofas .
Voltando um pouco, aí Mateus e Catirina iam na frente a caminho dos engenhos abrindo a chegada do grupo, eles faziam as entradas, iam na frente pediam dinheiro. Esses rituais acontecem hoje também só que com alterações devido as adaptações e circunstâncias atuais. Hoje muitas pessoas se oficializaram um bocado, por exemplo hoje tem a questão do cachê que a prefeitura paga ,ou quem os promovem, então não tem mais essa coisa de sair arrecadando dinheiro, porque previamente já se sabe que o contrato implica num tanto em pagamento. Antigamente eles saiam fazendo isso, indo nas cozinhas dos engenhos, e até roubando comida! Mas de toda forma a principal função deles era essa coisa da alegria, do chamariz, de divertir e entreter as pessoas enquanto o grupo ia chegando e se preparando. E é bem assim até hoje!São muitos recursos que eles utilizam de forma improvisada , e não adianta porque um Mateus sem Catirina realmente tem que ter muito talento se não sozinho é fácil dele ficar insípido e sem graça. Tem umas Catitas que são fenomenais ! São impagáveis, essas que todo mundo adora e gosta de ver. Em Nazaré da Mata lugar muito tradicional dos Maracatus as pessoas conhecem bem alguns Catitas, assim pelo nome mesmo e reconhecem bem o potencial delas para a dramatização. É o conjunto do personagem que marca, a roupa ,o jeito de se portar diante do público, porque é uma encenação , não é ? É um dos personagens central do teatro de rua e seus acessórios. A Catirina tem a boneca , o vestido que ela se abana de calor falando que precisa se encontrar com Mateus aí tem a coisa de jogar a boneca no chão e ficar esperando que alguém bote dinheiro junto da boneca e depois ela inventa de chegar perto de alguém e dar uma cantada na pessoa ...Enfim é assim, um trabalho e uma atuação em dupla que os dois Mateus e Catirina são bem importante, um dando suporte ao outro ,formando juntos esse par jocoso e pícaro!
A POSTURA POLÍTICA NOS PERSONAGENS:
A Catita é um homem vestido de mulher ,ou seja uma caricatura de mulher. Ela pinta o rosto como o Mateus todo de preto. Ela representa no Cavalo Marinho a mulher do Mateus que esta grávida e com desejo de comer uma parte Boi e aí o boi tem que morrer, só que o Mateus no Cavalo Marinho é uma espécie de vaqueiro que tem o dever de cuidar do Gado da fazendo. É uma representação de um tema bastante popular e tradicional, porém tanto o Mateus quanto a Catirina na representação e no improviso representam e tem uma postura de crítica social .Inclusive tem Catitas e Mateus que são isolados ,ou seja a pessoa que os representa resolve extrair se do grupo e ao invés de participar do folguedo se apresenta sozinho no Carnaval. Tem muitas Catitas e Mateus que são isolados, que não fazem parte de nenhum Maracatu ou qualquer outro folguedo .
CARETAS E MATEUS:
Existe também a hipóteses de que o Mateus é um nego fugido ,tem muitos pesquisadores que falam sobre isso ,eu não sei se eu consideraria os Mateus dessa forma pelo seguinte :Claro que existe a contextualização da cultura local mas em Portugal por exemplo existem os folguedos que tem personagens muito parecidos com o que o Mateus faz. Eu já fui em duas festas em momentos diferentes lá que são bem emblemáticas ,uma no festejo do solsticio de verão e a outro de inverno ,no nordeste de Portugal na região de Miranda, Bragança tem uma festa que se chama festa dos rapazes e eles saem vestidos com as roupas muito parecidas. Usam máscara ,chapéu em cone , roupa com fitas e bem coloridas, uns chocalinhos nas costas e são chamados de Caretos que certamente tem relação com os Caretas daqui, mas os Caretas daqui são do Natal,da época do Natal e no carnaval principalmente em Triunfo(PE) . Os Caretas de Triunfo saem com chocalhinhos nas costas e mascarados e trazem um chicote , lá em Portugal também tem o chicote que eles dão no ar para espantar a criançada , os chocalhinhos tem a função ritualística de afugentar os maus espíritos . Então existem elementos de confluências . Já os nossos Mateus, na verdade não usam máscaras e sim pintura que funciona como uma espécie de máscara , quer dizer de certa forma eles estão mascarando o rosto com aquele desenho , aquela tinta . No Sertão, em Petrolina ,São Francisco , na região de Joazeiro do Ceará , em Oripuri, os Caretas da Semana Santa fazem também coisas bem semelhantes, ou seja usam as máscaras, chocalhos ,chicotes e vão de casa em casa assim como os Mateus ,espantando os meninos, roubando comida ...Esses tem muita relação também com os Caretas que agente vê na região do Maranhão por exemplo que se apresentam no Natal ,e que tem haver com os Reisados e Folias de Reis também ,são também mascarados ,usam essa roupa que cobre o corpo todo , chocalhinhos e chicotes.
MATEUS E O NEGRO FUGIDO:
Na minha opinião é precário agente relacionar de cara o Cavalo Marinho com a senzala porque eu acho que agente tem coisas muito mais antigas do que essa relação direta com o negro fugido, com o negro escravo. Todas essas influências vêm de muito tempo ,desde que os Portugueses começaram a chegar aqui ,e aí o que agente percebe ? Que lá em Portugal são festas que celebram as passagens das estações do ano ,então são ritos pré cristão ,entendeu? Mesmo que hoje estejam incorporados no calendário católico. Por exemplo a Bugiada que eu assisti em Valongo numa região próxima do porto em Portugal é uma Festa com teatro de rua o dia inteiro e com a comemoração do solestício de verão . O calendário atual de Festas de Rua foi todo adaptado com a Igreja Católica por conveniência própria, porque queriam impor a sua religião ,ou seja queriam tornar a religião hegemônica. As festas populares em geral são muito ritualísticas , a festa dos Caretas em Portugal é um rito de passagem e uma atração fortíssima entre os adolescentes. Antigamente os jovens quando deixavam de ser crianças e entravam na juventude , os pais os colocavam para serem Caretos e assim isso foi ganhando adequações. Outra semelhança é que lá em Portugal têm mulheres que são Caretos ,então eu acho que existem muitos vínculos nesses personagens. A própria coisa de querer afugentar as pessoas, espantar ,roubar comida ,sair se divertindo. Existe um conjunto de informações , um repertório que se repete recorrente e acho que essas recorrências são bem importantes para agente digamos usar como hipóteses, acho que não precisa ir atrás da origem ,quer dizer, achar aonde começou o que. São camadas e camadas que vão se sobrepondo e aí uma camada começa a descascar e aí aparecem outras e outras ...E assim a coisa vai se mostrando mais e mais complexa ou seja mais rica!
O CAVALO MARINHO E A COMMÉDIA DELL ARTE:
Esse é um aspecto bem interessante também e fundamental ,bacana para se pesquisar porque existem algumas pesquisas mas acho interessante poder aprofundar mais esses aspectos em comum . A relação da Commédia Dell Arte lá na própria Europa, ou seja o que significa isso para os Portugueses, digamos que não tenha nenhuma influência direta com aqui ,mas por meio dos que vieram... A questão das migrações Italianas ,ou seja buscar como e quando aconteceram as migrações mais fortes... E antes das migrações como era? Será que é possível identificar? O certo é que das coisa que eu vi em Portugal eles tem também muito forte essa coisa das festas de rua e da arte popular . Na Bugiada em Portugal tem um monte de improviso teatral que são críticas sociais. Tinha uma época que estava tendo uma praga de febre aftosa lá em Portugal e aí eu vi várias esquetes teatrais com esse tema e com ele a questão dos políticos , eles falavam claramente de um político deles ,que eu não me lembro o nome agora, bem corrupto, que estava no alvo de uma série de escândalos. Então esses escândalos da política serviam de mote para essas encenações teatrais .Lá em Nazaré da Mata (PE) por exemplo eu vi também várias encenações desse tipo . Dois ou três amigos que resolviam se juntar e sair pelas ruas encenando. Na época das Torres Gêmeas por exemplo , ou então temas como as guerras mais recentes entre o Irã e o Iraque também...Então eles saiam, um fantasiado de Bush o outro de Osama Bin Laden , ou uns de soldados americanos indo atacar o oriente e tal...Entende? Ou seja também temos isso aqui . E aí tem essa coisa do Mateus que decide não entrar em nenhum grupo para assim poder fazer o seu próprio espetáculo e dizer o que quiser sem a censura de seu grupo mas podendo se manifestar atráves de seu personagem.
O VELHO DO PASTORIL:
Acho bem interessante essa coisa do cômico também que se manifesta em vários ciclos festivos, pois não é só no Carnaval que tem isso. Tem também a coisa de a mesma pessoa que faz um personagem no natal faz outro personagem em outro ciclo ou seja em outra festividade. O Velho Consolo de Pastoril Profano por exemplo, sai no Carnaval de Morto carregando o vivo que também é um personagem bem interessante do Cavalo Marinho. Já no Natal é um conhecido Velho de Pastoril Profano. O Velho Consolo é um Velho de Pastoril Profano bem tradicional, ele já é um Senhor e esta muito velhinho parece que esta morando na Paraíba, mas estava há um tempinho atrás vivendo em Goiana .Esse Velho de Pastoril é um Velho muito interessante e engraçado ! Vai para as festas levando as meninas prostitutas que o acompanham. Quem esteve muito perto dele é o Roberto Benjamim que queria apresentar inclusive a candidatura dele como patrimônio vivo de Pernanbuco . Este artista ou seja o Velho Consolo vive na miséria é muito pobre ... uma vez agente chegou na casa dele e ele estava no terraço em volta de um monte de coco seco tirando junto com a mulher as cascas do coco que ele montava para fazer uns abajures e que depois vendia na feira lá de Goiana. Para agente é triste pois vimos a repercussão dele, tanto aqui em Recife quanto na Praça do Arcenal e também lá em Goiana. Quando eu fui assistir ele só tinham homens assistindo! O Partoril Profano tem o sentido de ser uma apresentação quase que como um tipo de Cabaré e este Velho Chamego usa bastante a questão da obscenidade, da música de duplo sentido o tempo inteiro. Agora ele esta bem velhinho, não tem mais aquele vigor! Eu tenho algumas fotos dele, só teria que localiza las aqui .
VELHO CONSOLO POR MARIA ALICE AMORIM
Temos tipos e qualidades diferentes de Velhos do pastoril tem o Velho Xaveco por exemplo e o Velho Consolo, acho que eles tem trabalhos bem diferentes. Acho que o Xaveco e o Mangaba por exemplo digamos são mais a estilização da coisa, nesses encontramos a roupa já toda arrumadinha. Alguns pesquisadores chamam isso de para folclórico ,ou seja não é uma coisa que é tradicional ,eles fizeram uma pesquisa ,entrevistaram vários Velhos de Pastoril, tanto o Mangaba quanto o Xaveco, o Xaveco é um pouquinho mais próximo dessa cultura ,mas de toda forma a apresentação dele é uma coisa bem dentro daquele padrão mais turístico mesmo, tudo arrumadinho , não é que eu ache feio, nem ruim ,mas é diferente da realidade desses outros Velhos ,que vivem ali fora desses holofotes , tem um outro que eu não me lembro o nome dele agora que vive na região de Itapetinga, eu vi ele se apresentando no início do ano .Itapetinga é uma cidade que fica próxima a Nazaré da Mata e o padroeiro é São Sebastião, lá tem uma grande Festa entre o dia 10 e 20 de janeiro e nessa época tem um monte de festas de rua e espetáculos ,foi aí então que eu vi esse Pastoril que era muito especial ,muito engraçado! Bem picante, e as moças também não estavam nem aí ,não estavam vivendo um papel não ,nem eram atrizes ou bailarinas que estudaram dança ou teatro , as roupas eram doadas pela comunidade e as meninas prostitutas dessa comunidade. Assistindo só homens!
Mas enfim eu apenas estou apontando que é diferente. Eu gosto dos dois tipos de artistas, entende? São estilos diferentes ,histórias de vida diferentes. Eu gosto muito do Xaveco, sou amiga dele e o acompanho muito! Fiz várias entrevistas com ele, já fiz fotos e tal, só que assim, são coisas diferentes ,a matriz claro é a mesma mas a forma de estar diante do público é diferente, entendeu? Não que eu prefira um ao outro. Eu gosto de ver as diferenças e digamos usufruir delas. Então por exemplo o Velho Consolo é bem característico mas ele esta já sem energia, mas quando o Velho Consolo apresentava na comunidade dele por exemplo quem ia ver? Quem via era o público dali. Não tinha nenhuma participação da industria cultural é tudo feito mais por diversão e pronto ! Diversão para aquelas pessoas que estão vivendo ali. Enquanto que o grupo do Velho Mangaba já dialoga mais para outros públicos mesmo, de teatro e tal .Acho tudo válido. Tudo faz parte é a tradição dentro de seus percursos ou seja tem aí toda uma linha de continuidade. A coisa da picardia ,do duplo sentido. Tudo já é um fio de continuidade. A própria apresentação de música, dança e o corpo sensual isso tudo é uma continuidade. E é tudo isso que eu acho interessante!
MATEUS E CLÓVIS:
Acho que a história dos mascarados tem bastante vínculo com os Mateus também. Aqui temos também um personagem chamado Clóvis que são mascarados , esses saem somente em grupos, principalmente em Olinda (PE) e com o corpo todo coberto, vestidos com macacões floridos e luvas para não serem identificados pelas mãos, a mascara de rosto também cobre a cabeça toda conferindo lhes um visual muito bonito ,mas não consigo ver a coisa do cômico neles ,da relação com o palhaço diretamente. Acho que eles tem uma relação com os Mateus sim mas não no sentido da função de fazer rir , eles não interagem dessa forma e sim através do enigmático...Eles não chegam a assustar pois as máscaras são bem bonitas, bem trabalhadas, desenhadas e esculpidas ,a maioria delas são feitas de papel machê, eles pintam as bochecha, os olhos, a boca, é muito bonito!
E O PALHAÇO O QUE É?
Quando eu era criança o palhaço morava no circo mas depois que eu vim morar no Recife e comecei a me envolver e mergulhar nesse folguedos eu vi quantas nuanças e facetas tem o palhaço ,então eu acho muito rico isso e gosto muito de ver essas diferentes formas de ver e apresentar o palhaço. É muito engraçado e divertido ,é surpreendente pois as vezes o palhaço fica tão dentro daquele estigma, daquele modelo clichê de palhaço e isso para mim fica muito cansativo, o velho calhambeque, as velhas gags e tal , quanto aos palhaços como personagens dos folguedos aí eu já acho que eles realmente se fazem presentes ,improvisando o tempo inteiro e o repertório é muito mais diversificado com relação a esses recursos, tanto os recursos de cenografia como de atuação.
Os espetáculos populares tem um aspectos catárticos de transfiguração da realidade, pois a realidade é realmente muito dura para todo mundo, e assim como o poeta quer transpor a realidade ,transfigura la e se livrar das amarras da dureza da vida ,acho que todo artista faz isso! E o palhaço faz também.
A inversão do palhaço:
O palhaço trabalha muito com a idéia de inversão ,a vida pelo avesso. O Mestre Vitalino que fazia muitos personagens de barro criou um personagem de carnaval que se sentava no burro ao contrário. Eu vi isso lá em Portugal também na festa da Bugiada! Mas era um cobrador de impostos. Nessa festa encontramos muitas influências da época Medieval , então esse cobrador de impostos cobrava os impostos lá no espetáculo montado num cavalo e se sentava de costas para a cabeça do cavalo ,ele tinha também um objeto na mão que se não me engano era um cipó bem grande e assim ele ia abordando as pessoas para a cobrança dos impostos. Essa coisa das sátiras e da desconstrução do real e da sisudez da seriedade das regras e imposições é algo fascinante.
MISTÉRIOS E CURIOSIDADES NAS CULTURAS POPULARES:
As religiões e crenças envolvida nesses folguedos populares e nessas festas não nos ficam muito claras, porque eles mesmos preferem não falar sobre isso ,tanto por causa da repressão quanto também para preservar o segredo da religião, são segredos que são guardados para os não iniciados.
No Maracatu Rural são muito fortes esses aspectos. Existem muitos rituais com relações religiosas profundas . O Maracatu Nação esta ligado a um terreiro de candomblé por exemplo. Nos Maracatus Rurais eles não tem um vínculo tão explícita e restrita à um terreiro específico. Tem muita gente da Jurema ,da Umbanda e do Candomblé . Vimos isso nas roupas ,em alguns símbolos, nas cores ,nas baianas... Muitos vão para o terreiro antes do carnaval e durante o carnaval deixam lá o apito ,a bengala ,a batuta ,ou alguma coisa simbólica de valor e depois retiram quando acaba as festas do carnaval, esse é um dos exemplos ,mas podemos encontrar mais uma série de outras tradições que eles seguem. Os Mateus também tem essas relações com o sagrado. E isso vai para os Folguedos cada personagem cumpre uma função espiritual. Por exemplo em um Maracatu de Nazaré da Mata (PE) tinha um grupo de mascarados chamados de Papangu, esses personagens já estavam nas procissões de semana Santa, usavam máscaras de couro de bode particularmente muito enigmáticos! Mas tarde descobri que estes mascarados foram colocados naquele ano no Maracatu porque o dono do terreiro que estava fazendo o trabalho espiritual daquele grupo recomendou que deveriam colocar os mascarados servindo de anteparo para rebaterem as energias negativas ou seja servindo para descarrego. Os Mateus e Catirinas também tem essas funções. Nessas tradições eles usam muito esses recursos , inclusive mediante a prescrição de quem esta fazendo a direção espiritual do grupo.
Na verdade ,entre eles, Mateus, Catirina, Bastião são chamados de personagens sujos. Sujos porque se pintam com tinta preta no rosto. O dono desse Maracatu que eu falei sempre me dizia que esses personagens sujos são usados também dentro das ritualisticas para fazer a limpeza do ambiente.
O mestre da cabocaria que é quem organiza o grupo de Caboclos é o de frente e tem que fazer esse trabalho para proteger não só ele mas o grupo que ele representa . Muitas usam o cachimbo para fazer a defumação do ambiente, ou o charuto. No Carnaval por exemplo eles fazem isso na hora de chegar no terreiro o mestre vai chamando um por um e depois dois em dois até formar o grupo todo onde eles dançam ali e depois se aprontam para apresentar na cidade ,aí nas cidades eles fazem essa defumação do ambiente que pode ser o mestre da cabocaria ou o Arreia Mar que é aquele que se fantasia de índio, ou e o próprio Mateus. A defumação é muito interessante pois tem a relação com o terreiro e a relação de limpar o ambiente. No livro de Câmara Cascudo ele abre toda a informação de como é que eles fazem para limpar o ambiente , pega-se o cachimbo, da- se umas cachimbadas pelo lado do fumo e começa-se a soprar no sentido contrário e esse daí é o Pai Veio né? Eu tenho uma foto inclusive de um Mateus fazendo isso!
O PALHAÇO BRASILEIRO EM SÃO PAULO:
Eu vi em São Paulo alguns espetáculos de palhaço muito estilizados, sabe? E fica uma coisa meio falsa quando eles querem fazer algo do nordeste ,eu não me lembro agora o que era direito mas tinha uma linguagem de circo misturado com a poética do cordel e que tinha vínculos com a Commedia Dell Arte e com os nossos espetáculos de rua do nordeste ,ou seja eles tentaram contextualizar a Commedia Dell Arte numa abordagem nacional e nordestina ,mas aí ficou muito artificial e sem graça . Para mim eu vejo muito mais indo nos espetáculos de rua ,nesses folguedos populares do que nesses espetáculos mais intelectualizados e com intercessões com a linguagem do palhaço de teatro e circo ,na rua eu vejo muito mais convencimento do que nesses personagens ,resumindo eu acho muito mais vivo! Muito mais engraçado! Mas acho que na verdade eu não tive muita sorte pois quando fui para São Paulo não tive a oportunidade de ver outros grupos mais consistentes.
Acho que unidade encontro mesmo é em Folguedos sabe? Independente se for de Minas ,São Paulo, daqui ou do Maranhão, eu encontro mais unidade do que se eu decidir ampliar para esses outros palhaços ,acho que nos folguedos agente pode encontrar mais uma identidade digamos na questão do personagem do que em relação ao protótipo do palhaço brasileiro.
Eu me identifico mais com essa brasilidade desse personagem ou seja desse palhaço popular dos folguedos tradicionais onde tem parece que um fio que liga e que mostra mais confluência e consistência do que quando assisto outros tipos de palhaços. Talvez por causa das características também do circo e do teatro de rua. Nos folguedos agente encontra o canto, a dança ,a música ,o teatro tudo junto e tem as roupas, o conjunto visual, o conjunto de habilidades que mostra muito mais o universo brasileiro .
-para nós é intrigante ver que o Festival de Circo que acabou de acontecer aqui em Recife ter apresentações só com franceses e paulistanos. Cadê os palhaços do Pastoril ,os Bastião, os Mateus?
Porque eles são considerados um universo à parte ,entende? Eles estão fora desse universo de circo do palhaços. Acho que ainda não foi feita essa conexão ,que é o que vocês estão fazendo. Essa conexão desses dois universos atravessarem juntos e conviverem .
-Você acha que os palhaços da cultura popular brasileira sofrem uma marginalização?
Não .Acho que eles já vivem numa condição marginal desde muito tempo .Acho que não somente o poder público mas também muitas outras atitudes deveriam ser tomadas em relação a isso, mesmo as organizações de festivais ,esses eventos mesmo, por exemplo ,eu fui ver num festival de circo um grupo francês ,e demorei para achar engraçado, entendeu ? Tinha graça mas era muito previsível .Não só eu mas o público em geral demoravam a ter reações .Eu senti que eles eram muito técnicos, técnicos de mais. Tanto que a parte mais bacana foi o momento em que começaram a fazer as acrobacias e não na hora das palhaçadas. Acho que o cômico do improviso é muito mais legal ! E só é bacana quando é improviso de verdade, com o público ali, interagindo mesmo, pegando as coisas ali, o tempo inteiro. Tem outra coisa interessante no espetáculo de rua que é o não existir barreira entre o público e a pessoa que esta atuando. Por exemplo no Cavalo Marinho o personagem Ambrósio chega com as máscaras para vender: “Tô vendendo máscara! Quem quer máscara?” Aí um chega e responde : “Eu quero!” Então a coisa se dá ali, normal conversando no tempo em comum .Quer dizer, não tem essa separação. O Mateus por exemplo dá bexigada no povo! Solta versos com características das pessoas que estão assistindo naquela hora.
Mas não é só a estrutura do teatro popular que garante essa interação, tanto que assim, por exemplo, comparando ao cordel, nem todo Cordel é lindo, é maravilhoso porque é uma literatura popular! Não é. Isso tem um limite. O cara tem que ter talento poético, além de dominar a técnica da poesia de forma fixa ,tem que saber realmente dominar aquela linguagem artística ,então é a mesma coisa para o Mateus por exemplo, ele tem que dominar aquela linguagem artística. E ele só vai dominar aquela linguagem artística se realmente ele tiver talento, porque não basta saber a técnica ,ou seja não basta conhecer o enredo do cavalo Marinho ,tipo a agora o Ambrósio vai entrar com a s máscaras! Tem que ter realmente o talento, não é só a estrutura do espetáculo que vai garantir !Tano que por isso que as pessoas ou qualquer artista de outra extração social ou ambiente cultural e diz: “Ai como isso é fácil de fazer!Eu sei fazer isso também” E quando vai tentar fazer fica naquela impostação ,um pastiche sem graça nenhuma ,sem sabor .
-É. Não é só porque a pessoa esta com a cara pintada de preto que é um Mateus, para mim a linguagem do palhaço é universal, no sentido de que tanto um Chaplin quanto um Mateus tem características em comum ,gestuais ,transgressões, estado cômico.
Isso é interessante pois a questão de algumas pessoas que acham que tudo que é feito na rua ,festa popular e tudo mais tem a maior graça e é maravilhoso. Não! Existem as sutilezas, a coisa do preparo para aquilo, mas que não é um preparo artificial e sim um preparo que brota de dentro mesmo.
- O Grimário comenta que para ele da experiência que ele tem de todas essas pessoas que pintam a cara de preto o que para ele tem o conjunto completo de sacação ,de malícia ,de canto ,de dança ,de generosidade ,não é nem um Mateus e sim um Bastião, ele falou isso ontem para a gente! Para nós isso se confirma que o verdadeiro palhaço não faz nem questão de ser o mais visto.
Aí é a surpresa maior pois aí convence mais e surpreende mais.
-É por que agente esta olhando para lá mas quando agente olha para o outro lado percebe que existe algo muito mais interessante e que esta escondidinho e que ninguém vê! O anti- herói.
É como o João Grilo e Chicó que o Ariano Suassuna colocou bem na peça dele no Auto da Compadecida mas que são personagens do romanceiro tradicional das tradições orais e que agente encontra em cordel .
-E que quando foi para a televisão foram dois sulistas né? Um carioca e um paulistano...Te convenceram?
Mais ou menos acho que sempre fica meio caricato, né ? Mas são bons atores. Se fossem dois atores daqui do nordeste, claro com talento também. Na verdade o que eu não gosto muito é quando se imita o sotaque, acho que realmente isso derruba. Ninguém consegue imitar realmente um sotaque, fica sempre caricatura. A coisa do sotaque é assim, vocês acham o da gente interessante, agente pode achar o de vocês interessante ,mas nunca agente vai conseguir reproduzir realmente o do outro.
-Para um paulistano fazer o Mateus ,ele deve se apropriar do universo dele paulistano e fazer o Mateus de um jeito dele .Porque isso é um cultura viva ,e não é para imitar .Se não vira cópia, sem força. Um paulistano que não veio da Zona da mata tem e viveu outra história ,a realidade dele é uma ,se não vira teatro representação ao invés de presentação.
Não só no Bumba meu Boi ou Cavalo Marinho aqui de Recife mas também no Maracatu Rural tem os personagens Mateus e Catirina sua mulher que juntos formam um par, os dois são bem engraçados! Normalmente a Catirina é um homem vestido de mulher e que prepara a sua fantasia de um modo a entender que esta grávida. Uma característica bem marcante também é que ela geralmente vem com uma boneca na mão e um gererê que é um instrumento de pesca, mas as palhaçadas e presepadas são feitas em dupla, o Mateus e a Catirina.
Segundo pesquisas de Roberto Benjamim,o Caboclo de Lança do Maracatu Rural seria um proto - Mateus, ou seja um arque Mateus. Agente tem uma série de hipóteses à respeito da constituição do Maracatu Rural à partir da existência atual dos personagens. O Mateus tanto do Cavalo Marinho (Bumba meu Boi), quanto do Maracatu e o Caboclo de Lança têm a fantasia parecida ,só que no Caboclo de Lance essa fantasia foi se sofisticando. A fantasia do Mateus tem chocalhos nas costas, ele se veste com uma camisa florida com cores fortes, esses chocalhos são paródias dos chocalhos dos Caboclos de Lança.
Nos desenhos de Lula Cardoso Aires um artista plástico nosso, ele retrata o Caboclo de Lança com o chapéu em cone assim como o do Mateus. Qual seria digamos a principal função desse personagem ? Ele sai fazendo brincadeiras, chamando o público, chamando a atenção das pessoas como se estivesse inaugurando a abertura daquele espetáculo que vai ser apresentado, aquela festa que vai se iniciar. Antigamente quando eles andavam de engenho para engenho e ainda não tinham a coisa de pegar o ônibus ,eles saíam à pé para se apresentarem formalmente . Se apresentavam brincando, se divertindo e divertindo as pessoas dos engenhos e depois voltavam à pé, e o Mateus sempre na frente com a Catirina para fazer um bocado de coisas .
Hoje agente ainda encontra coisas muito parecidas em festas de Portugal ,tipos que assustam os meninos ,fazem mungangas ... Munganga é presepada, careta, galhofas .
Voltando um pouco, aí Mateus e Catirina iam na frente a caminho dos engenhos abrindo a chegada do grupo, eles faziam as entradas, iam na frente pediam dinheiro. Esses rituais acontecem hoje também só que com alterações devido as adaptações e circunstâncias atuais. Hoje muitas pessoas se oficializaram um bocado, por exemplo hoje tem a questão do cachê que a prefeitura paga ,ou quem os promovem, então não tem mais essa coisa de sair arrecadando dinheiro, porque previamente já se sabe que o contrato implica num tanto em pagamento. Antigamente eles saiam fazendo isso, indo nas cozinhas dos engenhos, e até roubando comida! Mas de toda forma a principal função deles era essa coisa da alegria, do chamariz, de divertir e entreter as pessoas enquanto o grupo ia chegando e se preparando. E é bem assim até hoje!São muitos recursos que eles utilizam de forma improvisada , e não adianta porque um Mateus sem Catirina realmente tem que ter muito talento se não sozinho é fácil dele ficar insípido e sem graça. Tem umas Catitas que são fenomenais ! São impagáveis, essas que todo mundo adora e gosta de ver. Em Nazaré da Mata lugar muito tradicional dos Maracatus as pessoas conhecem bem alguns Catitas, assim pelo nome mesmo e reconhecem bem o potencial delas para a dramatização. É o conjunto do personagem que marca, a roupa ,o jeito de se portar diante do público, porque é uma encenação , não é ? É um dos personagens central do teatro de rua e seus acessórios. A Catirina tem a boneca , o vestido que ela se abana de calor falando que precisa se encontrar com Mateus aí tem a coisa de jogar a boneca no chão e ficar esperando que alguém bote dinheiro junto da boneca e depois ela inventa de chegar perto de alguém e dar uma cantada na pessoa ...Enfim é assim, um trabalho e uma atuação em dupla que os dois Mateus e Catirina são bem importante, um dando suporte ao outro ,formando juntos esse par jocoso e pícaro!
A POSTURA POLÍTICA NOS PERSONAGENS:
A Catita é um homem vestido de mulher ,ou seja uma caricatura de mulher. Ela pinta o rosto como o Mateus todo de preto. Ela representa no Cavalo Marinho a mulher do Mateus que esta grávida e com desejo de comer uma parte Boi e aí o boi tem que morrer, só que o Mateus no Cavalo Marinho é uma espécie de vaqueiro que tem o dever de cuidar do Gado da fazendo. É uma representação de um tema bastante popular e tradicional, porém tanto o Mateus quanto a Catirina na representação e no improviso representam e tem uma postura de crítica social .Inclusive tem Catitas e Mateus que são isolados ,ou seja a pessoa que os representa resolve extrair se do grupo e ao invés de participar do folguedo se apresenta sozinho no Carnaval. Tem muitas Catitas e Mateus que são isolados, que não fazem parte de nenhum Maracatu ou qualquer outro folguedo .
CARETAS E MATEUS:
Existe também a hipóteses de que o Mateus é um nego fugido ,tem muitos pesquisadores que falam sobre isso ,eu não sei se eu consideraria os Mateus dessa forma pelo seguinte :Claro que existe a contextualização da cultura local mas em Portugal por exemplo existem os folguedos que tem personagens muito parecidos com o que o Mateus faz. Eu já fui em duas festas em momentos diferentes lá que são bem emblemáticas ,uma no festejo do solsticio de verão e a outro de inverno ,no nordeste de Portugal na região de Miranda, Bragança tem uma festa que se chama festa dos rapazes e eles saem vestidos com as roupas muito parecidas. Usam máscara ,chapéu em cone , roupa com fitas e bem coloridas, uns chocalinhos nas costas e são chamados de Caretos que certamente tem relação com os Caretas daqui, mas os Caretas daqui são do Natal,da época do Natal e no carnaval principalmente em Triunfo(PE) . Os Caretas de Triunfo saem com chocalhinhos nas costas e mascarados e trazem um chicote , lá em Portugal também tem o chicote que eles dão no ar para espantar a criançada , os chocalhinhos tem a função ritualística de afugentar os maus espíritos . Então existem elementos de confluências . Já os nossos Mateus, na verdade não usam máscaras e sim pintura que funciona como uma espécie de máscara , quer dizer de certa forma eles estão mascarando o rosto com aquele desenho , aquela tinta . No Sertão, em Petrolina ,São Francisco , na região de Joazeiro do Ceará , em Oripuri, os Caretas da Semana Santa fazem também coisas bem semelhantes, ou seja usam as máscaras, chocalhos ,chicotes e vão de casa em casa assim como os Mateus ,espantando os meninos, roubando comida ...Esses tem muita relação também com os Caretas que agente vê na região do Maranhão por exemplo que se apresentam no Natal ,e que tem haver com os Reisados e Folias de Reis também ,são também mascarados ,usam essa roupa que cobre o corpo todo , chocalhinhos e chicotes.
MATEUS E O NEGRO FUGIDO:
Na minha opinião é precário agente relacionar de cara o Cavalo Marinho com a senzala porque eu acho que agente tem coisas muito mais antigas do que essa relação direta com o negro fugido, com o negro escravo. Todas essas influências vêm de muito tempo ,desde que os Portugueses começaram a chegar aqui ,e aí o que agente percebe ? Que lá em Portugal são festas que celebram as passagens das estações do ano ,então são ritos pré cristão ,entendeu? Mesmo que hoje estejam incorporados no calendário católico. Por exemplo a Bugiada que eu assisti em Valongo numa região próxima do porto em Portugal é uma Festa com teatro de rua o dia inteiro e com a comemoração do solestício de verão . O calendário atual de Festas de Rua foi todo adaptado com a Igreja Católica por conveniência própria, porque queriam impor a sua religião ,ou seja queriam tornar a religião hegemônica. As festas populares em geral são muito ritualísticas , a festa dos Caretas em Portugal é um rito de passagem e uma atração fortíssima entre os adolescentes. Antigamente os jovens quando deixavam de ser crianças e entravam na juventude , os pais os colocavam para serem Caretos e assim isso foi ganhando adequações. Outra semelhança é que lá em Portugal têm mulheres que são Caretos ,então eu acho que existem muitos vínculos nesses personagens. A própria coisa de querer afugentar as pessoas, espantar ,roubar comida ,sair se divertindo. Existe um conjunto de informações , um repertório que se repete recorrente e acho que essas recorrências são bem importantes para agente digamos usar como hipóteses, acho que não precisa ir atrás da origem ,quer dizer, achar aonde começou o que. São camadas e camadas que vão se sobrepondo e aí uma camada começa a descascar e aí aparecem outras e outras ...E assim a coisa vai se mostrando mais e mais complexa ou seja mais rica!
O CAVALO MARINHO E A COMMÉDIA DELL ARTE:
Esse é um aspecto bem interessante também e fundamental ,bacana para se pesquisar porque existem algumas pesquisas mas acho interessante poder aprofundar mais esses aspectos em comum . A relação da Commédia Dell Arte lá na própria Europa, ou seja o que significa isso para os Portugueses, digamos que não tenha nenhuma influência direta com aqui ,mas por meio dos que vieram... A questão das migrações Italianas ,ou seja buscar como e quando aconteceram as migrações mais fortes... E antes das migrações como era? Será que é possível identificar? O certo é que das coisa que eu vi em Portugal eles tem também muito forte essa coisa das festas de rua e da arte popular . Na Bugiada em Portugal tem um monte de improviso teatral que são críticas sociais. Tinha uma época que estava tendo uma praga de febre aftosa lá em Portugal e aí eu vi várias esquetes teatrais com esse tema e com ele a questão dos políticos , eles falavam claramente de um político deles ,que eu não me lembro o nome agora, bem corrupto, que estava no alvo de uma série de escândalos. Então esses escândalos da política serviam de mote para essas encenações teatrais .Lá em Nazaré da Mata (PE) por exemplo eu vi também várias encenações desse tipo . Dois ou três amigos que resolviam se juntar e sair pelas ruas encenando. Na época das Torres Gêmeas por exemplo , ou então temas como as guerras mais recentes entre o Irã e o Iraque também...Então eles saiam, um fantasiado de Bush o outro de Osama Bin Laden , ou uns de soldados americanos indo atacar o oriente e tal...Entende? Ou seja também temos isso aqui . E aí tem essa coisa do Mateus que decide não entrar em nenhum grupo para assim poder fazer o seu próprio espetáculo e dizer o que quiser sem a censura de seu grupo mas podendo se manifestar atráves de seu personagem.
O VELHO DO PASTORIL:
Acho bem interessante essa coisa do cômico também que se manifesta em vários ciclos festivos, pois não é só no Carnaval que tem isso. Tem também a coisa de a mesma pessoa que faz um personagem no natal faz outro personagem em outro ciclo ou seja em outra festividade. O Velho Consolo de Pastoril Profano por exemplo, sai no Carnaval de Morto carregando o vivo que também é um personagem bem interessante do Cavalo Marinho. Já no Natal é um conhecido Velho de Pastoril Profano. O Velho Consolo é um Velho de Pastoril Profano bem tradicional, ele já é um Senhor e esta muito velhinho parece que esta morando na Paraíba, mas estava há um tempinho atrás vivendo em Goiana .Esse Velho de Pastoril é um Velho muito interessante e engraçado ! Vai para as festas levando as meninas prostitutas que o acompanham. Quem esteve muito perto dele é o Roberto Benjamim que queria apresentar inclusive a candidatura dele como patrimônio vivo de Pernanbuco . Este artista ou seja o Velho Consolo vive na miséria é muito pobre ... uma vez agente chegou na casa dele e ele estava no terraço em volta de um monte de coco seco tirando junto com a mulher as cascas do coco que ele montava para fazer uns abajures e que depois vendia na feira lá de Goiana. Para agente é triste pois vimos a repercussão dele, tanto aqui em Recife quanto na Praça do Arcenal e também lá em Goiana. Quando eu fui assistir ele só tinham homens assistindo! O Partoril Profano tem o sentido de ser uma apresentação quase que como um tipo de Cabaré e este Velho Chamego usa bastante a questão da obscenidade, da música de duplo sentido o tempo inteiro. Agora ele esta bem velhinho, não tem mais aquele vigor! Eu tenho algumas fotos dele, só teria que localiza las aqui .
VELHO CONSOLO POR MARIA ALICE AMORIM
Temos tipos e qualidades diferentes de Velhos do pastoril tem o Velho Xaveco por exemplo e o Velho Consolo, acho que eles tem trabalhos bem diferentes. Acho que o Xaveco e o Mangaba por exemplo digamos são mais a estilização da coisa, nesses encontramos a roupa já toda arrumadinha. Alguns pesquisadores chamam isso de para folclórico ,ou seja não é uma coisa que é tradicional ,eles fizeram uma pesquisa ,entrevistaram vários Velhos de Pastoril, tanto o Mangaba quanto o Xaveco, o Xaveco é um pouquinho mais próximo dessa cultura ,mas de toda forma a apresentação dele é uma coisa bem dentro daquele padrão mais turístico mesmo, tudo arrumadinho , não é que eu ache feio, nem ruim ,mas é diferente da realidade desses outros Velhos ,que vivem ali fora desses holofotes , tem um outro que eu não me lembro o nome dele agora que vive na região de Itapetinga, eu vi ele se apresentando no início do ano .Itapetinga é uma cidade que fica próxima a Nazaré da Mata e o padroeiro é São Sebastião, lá tem uma grande Festa entre o dia 10 e 20 de janeiro e nessa época tem um monte de festas de rua e espetáculos ,foi aí então que eu vi esse Pastoril que era muito especial ,muito engraçado! Bem picante, e as moças também não estavam nem aí ,não estavam vivendo um papel não ,nem eram atrizes ou bailarinas que estudaram dança ou teatro , as roupas eram doadas pela comunidade e as meninas prostitutas dessa comunidade. Assistindo só homens!
Mas enfim eu apenas estou apontando que é diferente. Eu gosto dos dois tipos de artistas, entende? São estilos diferentes ,histórias de vida diferentes. Eu gosto muito do Xaveco, sou amiga dele e o acompanho muito! Fiz várias entrevistas com ele, já fiz fotos e tal, só que assim, são coisas diferentes ,a matriz claro é a mesma mas a forma de estar diante do público é diferente, entendeu? Não que eu prefira um ao outro. Eu gosto de ver as diferenças e digamos usufruir delas. Então por exemplo o Velho Consolo é bem característico mas ele esta já sem energia, mas quando o Velho Consolo apresentava na comunidade dele por exemplo quem ia ver? Quem via era o público dali. Não tinha nenhuma participação da industria cultural é tudo feito mais por diversão e pronto ! Diversão para aquelas pessoas que estão vivendo ali. Enquanto que o grupo do Velho Mangaba já dialoga mais para outros públicos mesmo, de teatro e tal .Acho tudo válido. Tudo faz parte é a tradição dentro de seus percursos ou seja tem aí toda uma linha de continuidade. A coisa da picardia ,do duplo sentido. Tudo já é um fio de continuidade. A própria apresentação de música, dança e o corpo sensual isso tudo é uma continuidade. E é tudo isso que eu acho interessante!
MATEUS E CLÓVIS:
Acho que a história dos mascarados tem bastante vínculo com os Mateus também. Aqui temos também um personagem chamado Clóvis que são mascarados , esses saem somente em grupos, principalmente em Olinda (PE) e com o corpo todo coberto, vestidos com macacões floridos e luvas para não serem identificados pelas mãos, a mascara de rosto também cobre a cabeça toda conferindo lhes um visual muito bonito ,mas não consigo ver a coisa do cômico neles ,da relação com o palhaço diretamente. Acho que eles tem uma relação com os Mateus sim mas não no sentido da função de fazer rir , eles não interagem dessa forma e sim através do enigmático...Eles não chegam a assustar pois as máscaras são bem bonitas, bem trabalhadas, desenhadas e esculpidas ,a maioria delas são feitas de papel machê, eles pintam as bochecha, os olhos, a boca, é muito bonito!
E O PALHAÇO O QUE É?
Quando eu era criança o palhaço morava no circo mas depois que eu vim morar no Recife e comecei a me envolver e mergulhar nesse folguedos eu vi quantas nuanças e facetas tem o palhaço ,então eu acho muito rico isso e gosto muito de ver essas diferentes formas de ver e apresentar o palhaço. É muito engraçado e divertido ,é surpreendente pois as vezes o palhaço fica tão dentro daquele estigma, daquele modelo clichê de palhaço e isso para mim fica muito cansativo, o velho calhambeque, as velhas gags e tal , quanto aos palhaços como personagens dos folguedos aí eu já acho que eles realmente se fazem presentes ,improvisando o tempo inteiro e o repertório é muito mais diversificado com relação a esses recursos, tanto os recursos de cenografia como de atuação.
Os espetáculos populares tem um aspectos catárticos de transfiguração da realidade, pois a realidade é realmente muito dura para todo mundo, e assim como o poeta quer transpor a realidade ,transfigura la e se livrar das amarras da dureza da vida ,acho que todo artista faz isso! E o palhaço faz também.
A inversão do palhaço:
O palhaço trabalha muito com a idéia de inversão ,a vida pelo avesso. O Mestre Vitalino que fazia muitos personagens de barro criou um personagem de carnaval que se sentava no burro ao contrário. Eu vi isso lá em Portugal também na festa da Bugiada! Mas era um cobrador de impostos. Nessa festa encontramos muitas influências da época Medieval , então esse cobrador de impostos cobrava os impostos lá no espetáculo montado num cavalo e se sentava de costas para a cabeça do cavalo ,ele tinha também um objeto na mão que se não me engano era um cipó bem grande e assim ele ia abordando as pessoas para a cobrança dos impostos. Essa coisa das sátiras e da desconstrução do real e da sisudez da seriedade das regras e imposições é algo fascinante.
MISTÉRIOS E CURIOSIDADES NAS CULTURAS POPULARES:
As religiões e crenças envolvida nesses folguedos populares e nessas festas não nos ficam muito claras, porque eles mesmos preferem não falar sobre isso ,tanto por causa da repressão quanto também para preservar o segredo da religião, são segredos que são guardados para os não iniciados.
No Maracatu Rural são muito fortes esses aspectos. Existem muitos rituais com relações religiosas profundas . O Maracatu Nação esta ligado a um terreiro de candomblé por exemplo. Nos Maracatus Rurais eles não tem um vínculo tão explícita e restrita à um terreiro específico. Tem muita gente da Jurema ,da Umbanda e do Candomblé . Vimos isso nas roupas ,em alguns símbolos, nas cores ,nas baianas... Muitos vão para o terreiro antes do carnaval e durante o carnaval deixam lá o apito ,a bengala ,a batuta ,ou alguma coisa simbólica de valor e depois retiram quando acaba as festas do carnaval, esse é um dos exemplos ,mas podemos encontrar mais uma série de outras tradições que eles seguem. Os Mateus também tem essas relações com o sagrado. E isso vai para os Folguedos cada personagem cumpre uma função espiritual. Por exemplo em um Maracatu de Nazaré da Mata (PE) tinha um grupo de mascarados chamados de Papangu, esses personagens já estavam nas procissões de semana Santa, usavam máscaras de couro de bode particularmente muito enigmáticos! Mas tarde descobri que estes mascarados foram colocados naquele ano no Maracatu porque o dono do terreiro que estava fazendo o trabalho espiritual daquele grupo recomendou que deveriam colocar os mascarados servindo de anteparo para rebaterem as energias negativas ou seja servindo para descarrego. Os Mateus e Catirinas também tem essas funções. Nessas tradições eles usam muito esses recursos , inclusive mediante a prescrição de quem esta fazendo a direção espiritual do grupo.
Na verdade ,entre eles, Mateus, Catirina, Bastião são chamados de personagens sujos. Sujos porque se pintam com tinta preta no rosto. O dono desse Maracatu que eu falei sempre me dizia que esses personagens sujos são usados também dentro das ritualisticas para fazer a limpeza do ambiente.
O mestre da cabocaria que é quem organiza o grupo de Caboclos é o de frente e tem que fazer esse trabalho para proteger não só ele mas o grupo que ele representa . Muitas usam o cachimbo para fazer a defumação do ambiente, ou o charuto. No Carnaval por exemplo eles fazem isso na hora de chegar no terreiro o mestre vai chamando um por um e depois dois em dois até formar o grupo todo onde eles dançam ali e depois se aprontam para apresentar na cidade ,aí nas cidades eles fazem essa defumação do ambiente que pode ser o mestre da cabocaria ou o Arreia Mar que é aquele que se fantasia de índio, ou e o próprio Mateus. A defumação é muito interessante pois tem a relação com o terreiro e a relação de limpar o ambiente. No livro de Câmara Cascudo ele abre toda a informação de como é que eles fazem para limpar o ambiente , pega-se o cachimbo, da- se umas cachimbadas pelo lado do fumo e começa-se a soprar no sentido contrário e esse daí é o Pai Veio né? Eu tenho uma foto inclusive de um Mateus fazendo isso!
O PALHAÇO BRASILEIRO EM SÃO PAULO:
Eu vi em São Paulo alguns espetáculos de palhaço muito estilizados, sabe? E fica uma coisa meio falsa quando eles querem fazer algo do nordeste ,eu não me lembro agora o que era direito mas tinha uma linguagem de circo misturado com a poética do cordel e que tinha vínculos com a Commedia Dell Arte e com os nossos espetáculos de rua do nordeste ,ou seja eles tentaram contextualizar a Commedia Dell Arte numa abordagem nacional e nordestina ,mas aí ficou muito artificial e sem graça . Para mim eu vejo muito mais indo nos espetáculos de rua ,nesses folguedos populares do que nesses espetáculos mais intelectualizados e com intercessões com a linguagem do palhaço de teatro e circo ,na rua eu vejo muito mais convencimento do que nesses personagens ,resumindo eu acho muito mais vivo! Muito mais engraçado! Mas acho que na verdade eu não tive muita sorte pois quando fui para São Paulo não tive a oportunidade de ver outros grupos mais consistentes.
Acho que unidade encontro mesmo é em Folguedos sabe? Independente se for de Minas ,São Paulo, daqui ou do Maranhão, eu encontro mais unidade do que se eu decidir ampliar para esses outros palhaços ,acho que nos folguedos agente pode encontrar mais uma identidade digamos na questão do personagem do que em relação ao protótipo do palhaço brasileiro.
Eu me identifico mais com essa brasilidade desse personagem ou seja desse palhaço popular dos folguedos tradicionais onde tem parece que um fio que liga e que mostra mais confluência e consistência do que quando assisto outros tipos de palhaços. Talvez por causa das características também do circo e do teatro de rua. Nos folguedos agente encontra o canto, a dança ,a música ,o teatro tudo junto e tem as roupas, o conjunto visual, o conjunto de habilidades que mostra muito mais o universo brasileiro .
-para nós é intrigante ver que o Festival de Circo que acabou de acontecer aqui em Recife ter apresentações só com franceses e paulistanos. Cadê os palhaços do Pastoril ,os Bastião, os Mateus?
Porque eles são considerados um universo à parte ,entende? Eles estão fora desse universo de circo do palhaços. Acho que ainda não foi feita essa conexão ,que é o que vocês estão fazendo. Essa conexão desses dois universos atravessarem juntos e conviverem .
-Você acha que os palhaços da cultura popular brasileira sofrem uma marginalização?
Não .Acho que eles já vivem numa condição marginal desde muito tempo .Acho que não somente o poder público mas também muitas outras atitudes deveriam ser tomadas em relação a isso, mesmo as organizações de festivais ,esses eventos mesmo, por exemplo ,eu fui ver num festival de circo um grupo francês ,e demorei para achar engraçado, entendeu ? Tinha graça mas era muito previsível .Não só eu mas o público em geral demoravam a ter reações .Eu senti que eles eram muito técnicos, técnicos de mais. Tanto que a parte mais bacana foi o momento em que começaram a fazer as acrobacias e não na hora das palhaçadas. Acho que o cômico do improviso é muito mais legal ! E só é bacana quando é improviso de verdade, com o público ali, interagindo mesmo, pegando as coisas ali, o tempo inteiro. Tem outra coisa interessante no espetáculo de rua que é o não existir barreira entre o público e a pessoa que esta atuando. Por exemplo no Cavalo Marinho o personagem Ambrósio chega com as máscaras para vender: “Tô vendendo máscara! Quem quer máscara?” Aí um chega e responde : “Eu quero!” Então a coisa se dá ali, normal conversando no tempo em comum .Quer dizer, não tem essa separação. O Mateus por exemplo dá bexigada no povo! Solta versos com características das pessoas que estão assistindo naquela hora.
Mas não é só a estrutura do teatro popular que garante essa interação, tanto que assim, por exemplo, comparando ao cordel, nem todo Cordel é lindo, é maravilhoso porque é uma literatura popular! Não é. Isso tem um limite. O cara tem que ter talento poético, além de dominar a técnica da poesia de forma fixa ,tem que saber realmente dominar aquela linguagem artística ,então é a mesma coisa para o Mateus por exemplo, ele tem que dominar aquela linguagem artística. E ele só vai dominar aquela linguagem artística se realmente ele tiver talento, porque não basta saber a técnica ,ou seja não basta conhecer o enredo do cavalo Marinho ,tipo a agora o Ambrósio vai entrar com a s máscaras! Tem que ter realmente o talento, não é só a estrutura do espetáculo que vai garantir !Tano que por isso que as pessoas ou qualquer artista de outra extração social ou ambiente cultural e diz: “Ai como isso é fácil de fazer!Eu sei fazer isso também” E quando vai tentar fazer fica naquela impostação ,um pastiche sem graça nenhuma ,sem sabor .
-É. Não é só porque a pessoa esta com a cara pintada de preto que é um Mateus, para mim a linguagem do palhaço é universal, no sentido de que tanto um Chaplin quanto um Mateus tem características em comum ,gestuais ,transgressões, estado cômico.
Isso é interessante pois a questão de algumas pessoas que acham que tudo que é feito na rua ,festa popular e tudo mais tem a maior graça e é maravilhoso. Não! Existem as sutilezas, a coisa do preparo para aquilo, mas que não é um preparo artificial e sim um preparo que brota de dentro mesmo.
- O Grimário comenta que para ele da experiência que ele tem de todas essas pessoas que pintam a cara de preto o que para ele tem o conjunto completo de sacação ,de malícia ,de canto ,de dança ,de generosidade ,não é nem um Mateus e sim um Bastião, ele falou isso ontem para a gente! Para nós isso se confirma que o verdadeiro palhaço não faz nem questão de ser o mais visto.
Aí é a surpresa maior pois aí convence mais e surpreende mais.
-É por que agente esta olhando para lá mas quando agente olha para o outro lado percebe que existe algo muito mais interessante e que esta escondidinho e que ninguém vê! O anti- herói.
É como o João Grilo e Chicó que o Ariano Suassuna colocou bem na peça dele no Auto da Compadecida mas que são personagens do romanceiro tradicional das tradições orais e que agente encontra em cordel .
-E que quando foi para a televisão foram dois sulistas né? Um carioca e um paulistano...Te convenceram?
Mais ou menos acho que sempre fica meio caricato, né ? Mas são bons atores. Se fossem dois atores daqui do nordeste, claro com talento também. Na verdade o que eu não gosto muito é quando se imita o sotaque, acho que realmente isso derruba. Ninguém consegue imitar realmente um sotaque, fica sempre caricatura. A coisa do sotaque é assim, vocês acham o da gente interessante, agente pode achar o de vocês interessante ,mas nunca agente vai conseguir reproduzir realmente o do outro.
-Para um paulistano fazer o Mateus ,ele deve se apropriar do universo dele paulistano e fazer o Mateus de um jeito dele .Porque isso é um cultura viva ,e não é para imitar .Se não vira cópia, sem força. Um paulistano que não veio da Zona da mata tem e viveu outra história ,a realidade dele é uma ,se não vira teatro representação ao invés de presentação.
29 de junho de 2010
ENTREVISTA COM INIMAR DOS REIS
Os palhaços das Folias representam também os guardas de Herodes. Quando Herodes ficou sabendo que ía nascer o novo Rei, que havia sido enviado, pela profecia, Herodes, ordenou seus guardas correrem o mundo atrás do salvador. Quando Jesus nasceu Herodes então mandou matar todas as crianças e essa matança representa isso, a própria máscara representa essa coisa demoníaca, o diabo, o assassino do menino Jesus ,o mais interessante é que Jesus converte eles no decorrer da história.
Por isso toda vez que os palhaços chegam no presépio eles tem que tirar a máscara, se ajoelhar e rezar ,aí eles saem dessa coisa demoníaca, profana e entram para o religioso. A máscara é um símbolo muito sagrado nas Folias em geral.
O profano e o sagrado caminham juntos nessa figura?
Eles só viram o demoníaco quando colocam a máscara. Na visão religiosa os palhaços são demoníacos, eles trazem esses mistérios da perseguição.
O palhaço é um entidade, ele carrega todas as entidades que possamos perceber. Na hora que esta fazendo a proteção da bandeira, ele é um tipo de entidade , por exemplo, e essa entidade enxerga com todos os sentidos!(...)O palhaço é uma figura muito sábia e uma Folia de Reis não pode andar sem o palhaço.Eles tem essa sabedoria de desvendar mistérios macabros ,também. Tipo cruzamentos, velas, enterrar dinheiro, ou quando tem uma demanda ...Os quebrantes por exemplo que também costumam ter nas bandeiras das folias para a amarração dela e de seus foliões, pois tem folião que pode estar de mal com você e ir lá sem ninguém perceber amarrar um punhal numa bandeira e te desejar o mau! Somente o palhaço tem o poder de desamarrar ou desarmar a bandeira...mas nem todos os palhaços fazem isso direito também... pois é tem muita maldade absurda, mas isso pode acontecer! E o palhaço é quem tem que estar ligado a isso e perceber tudo em sua volta e de forma alguma ser distraído. O palhaço nesse caso tem que enrolar essa bandeira (e nesse momento só o palhaço pode tocar na bandeira ) leva-la à Nossa Senhora Aparecida, por exemplo, para desarmar- la ou seja desamarrar o feitiço ou a demanda que foi feita para o mau de alguém. Enfim os palhaços tem essa função de fazer a proteção ,pois eles enxergam pelos cantos... eles estão ali brincando, gozando, provocando...mas também e acima de tudo são guardiões da bandeira.
Eles conseguem enxergar o mal, pois estão ligados na malandragem. Por isso que eu acredito que para o sujeito ser palhaço tem que ser muito esperto, tem que ter uma visão periférica das coisas ,tem que ter profundas experiências de vida, conhecer também muito bem as maldades do mundo. Só assim podem de fato fazer toda proteção e também cumprir inteiramente suas funções.
Ele é uma figura que representa os soldados, os perseguidores, mas de uma certa forma ele é o protetor das pessoas devotas daquela bandeira. É o guardião da bandeira, ou seja ele é do mau e carrega o bem, uma figura ambígua, mas que sempre pratica o bem para sua Folia. Não só para a Folia mas para toda comunidade que esta em volta. São o bem o mau caminhando juntos. Eles tem esse mistério.
As Folia mais da região do Rio de Janeiro e boa parte das Folias da região oeste do Espírito Santo e da Zona da Mata de Minas Gerais ou em Juiz de Fora por exemplo têm muito essa coisa do mal atrás de um palhaço. Isso esta explícito nas máscaras , que são de couro com chifres e dentes por exemplo ou no olhar esbugalhado e vermelho, aí vemos a presença do demônio. Por outro lado temos as Folias do Norte de Minas onde encontramos muito mais palhaços na linha do ingênuo, sem maldade. Este é mais o perfil do palhaço devoto da igreja católica que entra naquela máscara e parece um Santo, tanto que as máscaras são bonitinhas e tal. Esses tem com eles essa coisa de que são os reis magos por isso na maioria das Folias tem três palhaços. Tem folia que eles dizem representarem os Três Reis Magos. Então aí ele é totalmente católico. Bota aquela máscara para louvar ,brincar ,dançar, mas principalmente para se ajoelhar e rezar. Têm toda uma coisa mais de anjo ,anjo disfarçado, mas é um anjo, não tem aquela malandragem, aquela maldade.
Mas isso tudo é de cada interpretação pessoal do palhaço e/ou da comunidade. É de cada Bastião ,ou de cada promessa feita, de cada foliã ou folião. Porque um palhaço não nasce assim do nada, para ser palhaço, não basta um : “Eu quero ser o palhaço da Folia .” E pronto. Não senhor, primeiro ele precisa conhecer a profecia e ser despojado de criatividade, depois precisa ter vivência para enfrentar e defrontar com as dificuldades e conseguir rebater o mal! Pois esses palhaços de Folia tem essa missão! Por isso uma pessoa não entra simplesmente e pronto. Os que entram numa Folia e são muito fraquinhos sem personalidade ,esse palhaços não duram muito ,eles ficam pouco tempo, pois falta a força neles, falta a fé, a crendice, a malandragem, o misticismo... Esse não tem força para carregar a entidade e tudo que o palhaço simboliza e que deveria entrar no corpo dele. O palhaço para ser esse palhaço tem que ser caboclo forte, vívido! Superar vários obstáculos!
É o caboclo que bebe cachaça, fuma! Palhaço bom é esse que dá pirueta ,salta, esta envolvido com a malandragem também. É aquele que bate facão, que briga e vai na frente do negócio! Aí se vê esse palhaço é bom !O cara bate e defende com unhas e dente a Folia. É um guerreiro.
A representação toda no final das conta é isso .É uma batalha, né ? Onde não basta ser só bonzinho. Se o cara é folião ele é devoto, se ele é devoto ele tem crença e se ele acredita ele faz o negócio com fé e com mais força. E aí sim a coisa acontece dentro de uma Folia. Aí ele chega e ele é o palhaço. É o Auto da Brincadeira. Ele faz acontecer a coisa dentro de uma folia, sabe? O palhaço é o Auto ou seja ele faz acontecer dentro de uma Folia.
“Os bons palhaços não só das Folias precisam de força espiritual, malandragem, vivência e malícia. Caso contrário são engolidos.”
E se vê que não só os palhaços das Folias mas também os de circo, touradas, os palhaços que estão na vida, na rua, é gente que passa fome ,que tem dificuldade em tudo, mas são guerreiros, figuras que enfrentam o mundo com muita coragem e com uma veracidade muito grande, tudo isso com uma irreverência incrível. Os palhaços trazem todos esses arquétipos. Do bem, do mau , da sabedoria. Também sabem contornar muito bem as situações.
-De onde você acha que nasce o palhaço brasileiro? Da onde você acha que é montada a partitura do palhaço brasileiro?
Bem é difícil saber, mas o que eu tenho como uma leve sensação sobre essas manifestações é que são tradições que vieram da Europa para Brasil trazidas pelos portugueses e que isso foi incorporado as nossas tradições que já estavam por aqui e assim ganhou uma forma de interpretação e manifestação muito peculiar. O palhaço da Folia de Reis acredito que seu surgimento é semelhante porém bem diferente dos outros palhaços, acho que com funções diferentes, porém a intenção são únicas , seja no palhaço de circo, de Folia de Bumba meu Boi e etc... A função de entreter ,de ludibriar e de agregar a brincadeira é igual sempre .Mas eles tem essas particularidades que fazem deles serem figuras diferentes. Então o brincante da Folia de Reis brinca de um jeito, o do Boi brinca um pouquinho diferente, cada um com sua pitadinha de maldade, sua pitadinha de bondade, de generosidade.
Mas em fim, não sei dizer de onde nasceu. Eu sei que essas manifestações vêm da Europa e isso foi incorporado aqui ,com o negro ,com o índio e essa coisa toda e foi ganhando um corpo muito particular. Essas manifestações são muito únicas aqui no Brasil. Tem ocorrências na Europa mas é muito particular as do Brasil esses palhaços e suas formas peculiares.
São palhaços que estão no campo do ritual?
Sim no campo do ritual, do religioso, da festa.
Agora a respeito das máscaras, os portugueses quando chegaram aqui já tinham também o teatro deles com máscaras, mas aqui também tinham os índios com sua cultura e seus rituais e ainda os africanos que também vieram carregados de tradições, ou seja qual a sua opinião a respeito dessa origem das máscaras dentro da Folia de Reis?
Os índios sempre utilizaram carcaças de bichos, couros de animais e isso foi sendo incorporado provavelmente nas tradições européias, mais isso com certeza também veio com os africanos e seus rituais. Enfim tudo misturado e junto com os teatros de rua da Europa! A coisa das máscaras e os rituais da antigüidade medieval ,ou seja, isso tudo tem um cunho muito antigo que vem lá da Idade Média. Não da para falar isso nasceu aqui ou ali, isso nasceu com o mundo! Quando surgiu o mundo humano e seus arquétipos e misticismos! Foi se criando formas diferentes de rituais, de interpretações , de vivências e festas.De viver num canto e seu ritual para aquela entidade tal e para aquele brinquedo específico. O brincante eu sei que nasceu aqui, pois ele nasce dentro da brincadeira, mas o brinquedo eu acho que nasceu do mundo!No inconsciente coletivo.
- O que é o palhaço para você dentro da cultura popular brasileira?
O palhaço é o símbolo da alegria mas também do mistério. Carrega o medo e a coragem. E ele é essa figura que consegue entreter as pessoas de uma forma bem gostosa. Eu gosto dos palhaços por isso! A hora que eles dançam, nos Autos ou brincam é a parte que mais me encanta, as chulas e tal.
-E o lado político dos palhaços ? A própria brincadeira já uma coisa politizada?
Também ele é uma figura pitoresca. O palhaço é uma figura democrática. Ele respeita as hierarquias.
“O palhaço é uma figura política no sentido de ser o porta voz do povo.”
Ele é uma figura democrática que se relaciona com todos da mesma forma. Também tem como característica desmitificar o ritual, por exemplo enquanto os mestres estão seguindo todas as hierarquias e regras necessárias para chegar numa casa, pedir licença, louvar e etc. O palhaço já chega desbancando tudo : “O de casa!!! O madrinha!! Assa uma galinha!” Ele esculacha todo mundo! A formalidade das Folias é quebrada por ele: “Ei! Meus canarinho tão chegando! Tem coisa pra bebê? ” O restante dos foliões chegam com aquela calmaria ritualizando tudo, rezando, beijando a bandeira enquanto o palhaço chega “quebrando” tudo. De certa forma dando um equilíbrio para o peso das formalidades. Parece que é o único que pode de fato ter essa postura mais licenciosa.
Eu particularmente acho que o momento mais interessante do ritual é a hora dos palhaços, pois é quando todo mundo entra na brincadeira. Depois que todos louvaram, rezaram, choraram , rememoraram ,aí o palhaço pega tudo isso e revira , transformando em brincadeira e festa.
“Ele tem essa função de elevar a alma das pessoas.”
A política dele de certa forma é essa , de engrandecer a alma das pessoas. Eu acredito. Fazendo as malandragens, mexendo na alma de um e de outro. Então o palhaço acaba fazendo uma política muito importante para as folias. Porque ele acaba que cutucando em tudo. Ele mexe com tudo .Com o poder político também. Ele critica as pessoas, faz a critica social do lugar e da realidade dele. Mostrando tudo ali e na hora. Quem é o palhaço? É sempre aquela figura fuleira mesmo. Caboclo ralador. Mostrando a verdade dele. Eu vejo a política assim ,a política dele é a verdade! Ou seja ele mostra quem ele é .Consequentemente mostra a cara de seu povo. A cara de sua comunidade. O palhaço pode e esculacha do rico ao pobre, do feio ao bonito, do branco ao amarelo. Ele não é uma figura discriminatória , desbanca todo mundo! Não é preconceituoso e sim uma figura política, no sentido de que tem uma abordagem do todo , sem a discriminação.
- Você acha que o Geraldinho (cômico de Goiás),o Mazzaropi ,o Grande Otello ,beberam um pouco nessa fonte?
A com certeza, também Jeca Tatu, Pedro Malazzartes, Adoniram Barbora, Chacrinha...Todo mundo foi na fonte beber. No Pastoril, nos Reisados, nas Folias de Reis, nas Cavalhadas e em boa parte dessas manifestações .A maioria são danças dramáticas e tem esse cunho de encenações e trazem junto esses arquétipos da brincadeira. Eu também uso muito disso tudo nos meus trabalhos.
- Você é um palhaço?
Também sou palhaço. Eu brinco muito nos meu espetáculos. Eu já entro no palco brincando. Seja se eu for cantar uma música ecológica ou se eu for cantar uma música sagrada, de Folia de Reis ou outra coisa, eu sempre entro brincando! Porque isso nasceu dentro de mim desde de pequeno , pois eu sempre convivi com palhaços nas Folias de Reis , nos Bois de Janeiro, nos Ternos de Reis e isso cresceu muito dentro de mim. Ou seja é uma coisa muito pessoal. Não da para eu ir para o palco sem brincar. Eu vou para o palco para brincar, para divertir as pessoas. E esses artistas que comentamos também beberam nessa fonte. Acho que muita gente busca essas figuras para incorporar nos seus espetáculos.
- Agente tem um D.N.A de um tipo de palhaço , que nasce aqui no Brasil, mas no entanto quando falamos de palhaço para as pessoas e para os brasileiros o que geralmente vem na cabeça é o tal do nariz vermelho e o sapatão, eu pergunto por que você acha que as pessoas conhecem mais esse tipo de palhaço e não conhecem esse palhaço do nosso povo? De que forma se dá isso?
Eu acho que o circo é uma coisa marcante né? E o palhaço do nariz vermelho que é do circo vem de um modelo europeu ,ou seja esse palhaço não nasceu no Brasil. O circo teve uma importância muito grande desde o seu passado quando conseguiam através de suas viagens chegar em lugares distantes e de difícil acesso , lugares que antigamente nenhum outro espetáculo chegava! O circo conseguiu chegar em todos os cantos do mundo! E junto levou essa figura muito marcante, o palhaço.
Porém friso que antes do circo chegar aqui ,esses nossos palhaços, palhaços daqui ,também já existiam dentro das manifestações que estão aí há muitos anos. De certa forma também chegaram com os europeus mas também e principalmente com a mistura da cultura africana e dos próprios índios que aqui já estavam. Todas essas manifestações têm um enredo, uma história e personagens, que fazem parte das cenas e desses fatos históricos ,que acontecem dentro das Folias ou nas coroações de Congo, que acontecem dentro dos Maracatus e dos Reisados e tudo mais, tudo isso já existia aqui! Antes do circo, porém ainda assim ,eu acho que a figura do palhaço que ficou na nosso imaginário coletivo é esse palhaço do circo, que no final foi o que mais marcou. O circo teve essa capacidade de aglutinar mais pessoas, de universalizar as linguagens, não esta ligado a nenhuma religião e sim apenas a diversão e enfim ao entretenimento. Esses outros palhaços não. Eles têm como base o ritual ,não estão ali só para divertir e sim por estarem ou pagando uma promessa
de alguém com um deficiência, ou ele mesmo teve uma doença e pediu uma cura para o seu Santo de devoção ou esta por devoção ao Santo de sua Guarda.
“Aqui por exemplo em Cotia o Benedito ,o palhaço Benedito tinha um problema na perna ,ele nasceu com uma deficiência que os médicos não achavam a cura, os país dele fizeram uma promessa para os Reis e entregaram ele para a folia como sendo o palhaço. Os pais pediram para Santo Reis que se ele tivesse a cura ele seria palhaço na Folia toda a vida. E este se curou e ficou cinqüenta anos dentro da Folia de Reis sendo palhaço. Abandonou agora o ofício pois esta muito cansado. Mas já pagou sua promessa.”
Nossos palhaços estão aí, tem seus valores. Nas comunidades onde acontecem são super queridos, super admirados! Quem não conhece o palhaço de uma comunidade? Para esse palhaço o mundo dele é a sua comunidade. Já o palhaço de circo esta sempre viajando ,viaja pelo mundo, entra numa comunidade fica um tempo, depois viaja ,vai para outra. Hoje a mídia ajuda a divulgar os espetáculos, as trupes ,os grupos circenses reforçando muito a coisa do palhaço e do circo.
Os palhaços da tradição são diferentes ,também por terem a época certa para se vestirem ,que é do dia 24 de dezembro até 6 de Reis(janeiro), isso se ele for daquela época ,porque se ele é do Bumba meu Boi ele ainda vai mais um pouquinho ,até maio ,março ... Enfim é só naquela época certa e naquele momento ,porque o ritual somente acontece naquela época e naquele momento.
A cavalhada também é uma luta entre mouros e cristãos.As vezes os palhaços aparecem como uma espécie de fada madrinha que ressuscita os mortos. Eu vi, uma vez os palhaços ressuscitando os vassalos que morriam nas batalhas ,eles iam lá ,faziam um peripécia e ressuscitavam essas figuras! O palhaço da Folia de Reis eu nunca vi fazerem isso. Eles ressuscitam apenas o Boi ,mas nenhuma figura humana ,a não ser o Boi ou seja o próprio brinquedo, isso acontece por exemplo no Boi baiano porque o Boi do Maranhão e de Pernambuco o palhaço não ressuscita não , no Cavalo Marinho o palhaço também não tem esse poder, já nos Bois em que o palhaço é o Vaqueiro, aí sim ,ele mata e ele ressuscita! Ele tem esse poder.
Tudo isso acho que herdamos muito da Commédia dell Arte, o Arlequim e o Briguela ,acho que não da para desassociar isso tudo desse modelo europeu .Os navegadores trouxeram esses espetáculos para os palácios e foram remontando aqui ,primeiro com o pessoal da corte ,depois com os negros ,os índios que passaram também a misturar tudo. Para a catequização os portugueses usavam a viola, as máscara e todos esses apetrechos ,por exemplo os presépios que surgiram em 1200 e pouco ,os Autos Natalinos e etc ... eles usavam aqui para catequizar os índios e tudo foi sendo incorporado e acolhido .
Por isso vemos a história que se passou lá na Idade Média com por exemplo ,nas Cavalhadas, as batalhas de Carlos Magno, as cruzadas e tudo. Esse monte de influências, histórias e culturas foram virando uma miscelânea que justamente dá em o nossos palhaços que são puros de alma e cheios de brincadeira brasileira! Com a cara de nosso lugarzinho.
Com essa história de revalorização da cultura popular os grupos estão tendo mais cuidado com a apresentação do ritual, cuidados maiores com as indumentárias ,com as fardas e figurinos em geral. As máscaras hoje em dia são trocadas constantemente, antigamente não, essas máscaras duravam, 30,40 , 50 anos eram usadas muitas vezes até morrer, aquela roupinha rasgadinha suja e guardada para aquilo era a única vestida para a ocasião sagrada, e ela tinha que ser ,com aquela energia! Não tinha essa coisa de botar o figurino da apresentação para o espetáculo, isso é uma coisa nova que esta sendo incorporada em nossa cultura agora pois virou espetáculo, isso tudo acaba gerando uma cara nova ,porque quando você renova uma máscara ela é uma máscara nova ou seja vira um novo personagem, vira um outro personagem e vai ganhando outras incorporações ,as vezes ela esta dentro de um ritual as vezes fora, super elaborada, bonita pintada acabadinha, aí agente pergunta: Mas isso é por causa do ritual ou do espetáculo? O povo cobra isso também, né? Cobram para que os grupos se apresentem melhor e assim os palhaços vão ganhando também uma cara diferente, uma cara de espetáculo...Mas acho que não pode perder a fé .Acho que quando eles estão na tradição não perdem a fé, primeiro por que o cabra para vestir uma máscara daquela e ficar doze dias enfiado dentro de uma roupa daquela brincando e divertindo o povo, só com muita fé e muita coragem, o cara tem que ter muito tudo aquilo que nos já falamos se não, não segura a bronca ,porque é muita carga, é muita entidade e responsabilidade Tem entender de mandinga ,tem que desarmar as armadilhas ...
A espetacularização da tradição corre o risco de tornar as coisas superficiais e não de dentro para fora. A idéia de espetáculo em si não acho errada apenas estamos acompanhando o caminho da modernidade, acho que as coisas não vão ficar eternamente no passado é nem inertes .Temos e estamos sempre em transformação e acho que isso esta acontecendo também dentro da cultura popular brasileira!
-EU VEJO UMA INOCÊNCIA QUE TAMBÉM É TÍPICA DO PALHAÇO E CHEGA SER ENGRAÇADO E INTERESSANTE.PARECE QUE É UM OUTRO CAMINHO PARA CHEGAR NA MESMA COISA .
Não que eu ache que para ser um palhaço precise ser isso ou seja, precise ser um conhecer ou um sábio e tal ...Tem aqueles que entram e fazem mas não vivenciam a coisa que é para ser vivida , mas estão ali, bonitinhos nessas folias que acabam que também sem muita significância , sem força dentro da tradição e passam batido.
Para entreter as pessoas tem que ter sabedoria, jogo, saber cantar ,improvisar verso, tem aqueles que só decoram o negócio ,mas tem aqueles que improvisam mesmo ,aí ninguém segura ,ele domina a situação ,os palhaços que improvisam são típicos brasileiro com esse jeito único de lidar com as coisas e as situações do momento.
Temos muito disso em nossas tradições ,quando encontramos quem faz essas cenas com todo conhecimento ,aí a festa fica de arromba, porque aí todos entram na viagem do palhaço , enlouquecendo com e como o palhaço ,aí ele pira todo mundo! Todo mundo dança, brinca e se diverte! O bom palhaço tem essa força e domina o brinquedo e as brincadeiras. Só assim o alimento é fortificado! Porém na maioria deles encontramos os palhaços fraquinhos, com aqueles versinhos decorados...Esses aí não tem graça. O bom palhaço que brinca mesmo deve rolar no chão , bater espada, fazer a dança da manguara que é a dança que o palhaço da Folia de Reis dança com seu cajado colocando as manguaras no chão para sapatear fazendo o lundu, depois batendo a espada com o outro palhaço .Uma dança contagiante que faz todo mundo dançar junto! O palhaço não deve ser o tempo todo o centro mas é o centro da atenção que depois abre para todos entrarem na brincadeira. Uma espécie de Xamã, que chama todo mundo para brincadeira.
VC SABERIA DIZER O NOME DE ALGUM PALHAÇO QUE JAMAIS ESQUECEU?
Tem um caboclo muito bom que é um palhaço de Reisado chamado Cheiroso de Sergipe. O Cheiroso era demais! Eu não sei se ele esta vivo. Não me lembro qual era o nome do Reisado dele, mas eu me lembro bem dele
A RELAÇÃO DO PALHAÇO COM A BANDEIRA DE FOLIA DE REIS :
Em algumas folias mais religiosas o palhaço nunca pode chegar perto da bandeira apesar de ser o guardião dela . A maioria dos palhaços andam atrás dela porque ele é o guardião não só da bandeira mas também do grupo durante as jornadas. Porém os palhaços não podem botar jamais a mão na bandeira, não podem também chegar perto de um presépio e se ele for ajoelhar no presépio terá que tirar a máscara. Dependendo se for entrar dentro de uma igreja ele tem que reverenciar, se ele passa perto de uma cruz ou de uma encruzilhada ele tem que fazer as suas malandragens , em porta de cemitério ele tem que parar e rezar. Então sempre perto dessas coisas mais sagradas ,como ele é uma figura profana e ao mesmo tempo sagrada ele tem que fazer essas reverências. O palhaço tem sempre que se ajoelhar e pedir licença para poder passar livre .
CADA FOLGUEDO E LUGAR EU VI UM INTERPRETAÇÃO DE BEM E MAL DIFERENTE,POR QUE?
O bem e o mau , acho que no fundo tudo é uma coisa só e os palhaços carregam o dom do bem e do mau, lidam com toda essa situação as vezes inconscientemente .Assim são a chave da brincadeira. Não dá para dizer “o palhaço só mete medo!” Não dá para dizer são só do bem e nem só do mau. Possuem essas duas vertentes .Vertentes que são marcantes dentro do que é o palhaço .
Porque palhaço?
Porque é o cara que tem o dom de brincar .De carregar o brinquedo . Você só é palhaço porque é engraçado, extrovertido, tem os trejeitos e o dom de divertir o povo!
AS FIGURAS CÔMICAS DO UNIVERSO POPULAR BRASILEIRO E A RELAÇÃO COM O PALHAÇO:
O Pai Francisco e Catirina não são chamados de palhaços mas são personagens cômicos .Temos muitos deles. No Cavalo Marinho, na Folia de Reis, nos Reisados, na Cavalhada, no Pastoril, que é o Velho... Temos os Clóvis, os Mascarados, os Cara Pintada, o boi Tinga, no norte ,nordeste os Lambe-Sujo, os Papangu, os Jaraguá, o Zé Belê, a Mulinha ,a Burrinha e etc...Todos esses são uma espécie de palhaço ,ou seja é um brincante . Esses também tem outras diferentes denominações como por exemplo galantes, vaqueiros, vaqueiro da Burrinha ,da Mulinha de Ouro. Lembrei também agora do Jaraguá que é também uma espécie de palhaço, tem também a Lobinha ,o Jacaré... Esses personagens de bichos são também bem engraçados e meio palhaços de certa forma, porque eles entram na brincadeira para divertir! Para afugentar, meter medo, fazer cenas hilárias para as pessoas darem risada, querendo por exemplo ora morder o vaqueiro ,ora comer o menino ,ora ir atrás das crianças, das velhas... As bonecas todas são também figuras que vem dessa do cômico e do palhaço. A Maria Angu, a Maria Manteiga ,a Bernuncia ,a Maria Teresa, a Maricota do Boi de Mamão, a Miota que é do Ceará ,todas bonecas ,mas não deixam de ser palhaços no sentido de que são figuras engraçadas ! São personagens cômicos. O Cabeção , o Pigmeu, a Mulinha , a Ema ,o Zabelê ,é um tipo que ,por mais que sejam bichos ou bonecos são também palhaços , pois estão dentro de uma máscara, assim como os palhaços que usam uma pequena máscara. Percebe que todos usam da fantasia para divertir? São figuras ligadas ao imaginário e ao universo cômico!
Eu já vi algumas vezes os índios brincando, afugentando os outros e tal, mas eu não sei muito bem qual é a figura do palhaço nessas sociedades indígenas . Sinto que se estão mais ligadas com a morte, com a morte no sentido da ancestralidade . Acredito que todos os nossos palhaços estão ligados a ancestralidade , aos antepassados ,pois mexem com um imaginário muito profundo. Pois não basta vestir o personagem e pronto, tem que carregar toda essa bagagem ancestral ,porque a hora que o palhaço esta brincando é a hora que ele esta representando seus ancestrais trazendo uma força na própria figura. Sempre claro com o dom da fé e da devoção. Pensa, atrás disso tudo tem todo um imaginário popular, uma mitologia ,todo um mistério, uma relação de bem e mal ,de medo e coragem ,de profecia !
SERÁ QUE AGENTE POR SER TÃO APAIXONADOS NÃO IDEALIZA DE MAIS O PALHAÇO?
ME DÁ A SENSAÇÃO DE QUE ESSE PALHAÇO É ENTÃO SOMENTE UM ARQUÉTIPO .
De certa forma é, mas somente o tempo vai construindo um palhaço com habilitação para receber esse arquétipo. Pois somente o cara que tem conhecimento de que , o que ele carrega é negocio sério e muito importante pode fazer a coisa...Bem é assim ! Tem aqueles que não sabem nada e nem o que significa esse arquétipo e tem os mais pontuais ,que sabem exatamente de tudo .Uma espécie de profeta, de bruxo.
VC VÊ ISSO COMO UMA MEDIUNIDADE? PARA RECEBER A ENTIDADE?
Se o cara tem essa coisa, ou seja se consegue suportar , se ele esta ligado com essa ancestralidade e com os ferreiros, com a crença e tal ele consegue carregar essas entidades. Por exemplo nas manifestações que são muito religiosas e ritualísticas encontramos esses personagens muito pontuais ,muito claros. Nessas percebemos que na bagagem do cara tem coisa. Na verdade essas tradições que estão mais ligadas a terreiros e tal isso é muito marcante, dentro dos próprio reisado, dentro das Folias ,dos Ternos de Reis, dos Congados que fazem muito dessas devoções ,não só no dia de Reis, mais de São Sebastião ,de São João, os palhaços estão sempre lá! O palhaço esta sempre na brincadeira! E em algum momento ele esta ali para fazer a ponte com esse imaginário, com o desconhecido , com esse mundo que é o mundo que encanta as pessoas e que me fascina particularmente. Toda essa coisa do imaginário me fascina! O cara que faz fluir a imaginação de quem esta presente !Que te faz ficar com medo, que te faz viajar ,com improvisos e encantamentos .E eles estão em todas as manifestações! É uma figura imaginária que vai por todos os mundos, ele vai do mundo cão, do submundo ao mundo sagrado. Uma coisa que é bem marcante é que você vê essas entidades se manifestando quando o palhaço começa a dar as piruetas transformando as energias em rodamoinhos. Quando presencio cenas assim eu falo: “Pô , esse bicho tá tomado!”
-ME VEIO A IMAGEM DO SACI...
Tem a ver sim ! Isso tudo esta nessas figuras todas também ! O Curupira, o Caipora , O Saci, a Mula sem Cabeça, todas essas figuras carregam arquétipos próximos e são engraçadas e também metem medo.
VOCÊ UMA VEZ COMENTOU QUE VIU UM PALHAÇO APANHANDO SEM NINGUEM BATER NELE ...
É porque o cara carrega uma entidade com ele, se o cara não esta sabendo que ele esta carregando aquilo ali , se não esta sabendo o que esta fazendo, ele vai apanhar muito e vai tomar uma surra de todo tipo que nem sabe de onde vem, tem palhaço aí que se não toma cuidado, empata a vida dele ,empata a vida não só dele mais dos foliões ou seja muita responsabilidade.
Eu já vi muito palhaço nas Folias que vão brincar e com meia hora de brincadeira estão arriados de cama e isso é porque realmente não têm o conhecimento adequado daquilo que estão fazendo .Tem uns que ficam um ano , dois e depois saem fora da Folia, isso enfraquece toda a Folia pois ela precisa do palhaço por ser a figura central ,uma folia sem os palhaços fica muito fria , sem graça. É fundamental ter os palhaços para divertir ! Mas é assim eu já vi muitas vezes o palhaço da Folia estar quebrado sem saber porque.
entrevista com Clerouak
1-PARA VOCÊ O QUE SÃO OS PALHAÇOS DA CULTURA POPULAR BRASILEIRA?
Para mim eles representam uma espécie de heróis do povo brasileiro. Uma espécie de vingança do povo. Só eles podem fazer bizarrias e tirar com através da graça um barato do poder. Eu identifico muito o palhaço brasileiro como uma vingança do povo.
Gosto de lembrar também que este tipo de palhaço esta geralmente no campo do ritual, sem padrões e limitações desse tempo e espaço moral da sociedade. Eles representando assim uma arte completa, onde se unem as linguagens do teatro, da música, da dança, da religião.
Tudo que o ocidente separou de certa forma, o palhaço brasileiro cultiva unindo.
2-DE QUE FORMA OS PALHAÇOS MANIFESTAM ESSA VINGANÇA OU HEROISMO?
Através do espírito burlesco. Ele é uma espécie de caricatura do ser humano, que parodia o nosso comportamento. Por exemplo no folguedo Cavalo Marinho ele entra para tomar conta do terreiro, já que o Capitão Marinho foi para cidade e assim fica como se fosse o próprio dono. Acredito que a vingança se da de certa forma através das brincadeiras simbólicas, ou seja ,agora ele que manda no terreiro... e aí ele vai fazer a bagunça que quiser fazer ali
A figura dos nossos palhaços não é a imagem bonitinha do palhaço europeu...sabe? É mais para o universo do grotesco. A sociedade não gosta muito de ver essas coisas grotescas, bizarras, “feias”.
Outro exemplo que me lembrei agora é aquela cena do Macunaíma saindo, nascendo. Aquilo é muito grotesco!
3-OU SEJA ...ISSO AGRIDE A ESTÉTICA E OS VALORES QUE NOS SÃO IMPOSTOS DE CERTA FORMA PELA SOCIEDADE,PELA MÍDIA E TAL?
Eu lembro que quando apareceu o Tiririca(palhaço e humorista da televisão brasileira)as pessoas torciam muito o nariz de ver um tipo meio banguela, feioso, descombinado, com aquela peruquinha mal feita... aquele jeito meio estranho de ser. As pessoas não aceitam muito bem esse desenho .Não gostam da sensação do estranhamento , não gostam de se incomodar, apenas querem se acomodar e não pensar, não questionar. Preferem não entender e nem conhecer o país que vivem de fato.
4-FALE SOBRE OS VELHOS DO PASTORIL:
Eu identifico nessas figuras o palhaço como a figura marginal (nas margens da sociedade) . Os Velhos que brincam com esse duplo sentido nas letras ,as pastorinhas que muitas delas eram até prostitutas antigamente e o palhaço que se característica já com a coisa da maquiagem ,do chapéu, no caso do Velho Faceta uma maquiagem que lembra até um bicho, algo mais tribal. Acho que para mim ,isso é o que se aproxima mais do palhaço hoje em dia. Quer dizer, você tem uma tradição que nasce religiosa e aí eles pegam essa tradição e dão uma roupagem ,digamos, profana para ela. Ah...eu acho bem interessante a figura dos Velhos!Que acabaram até influenciando o Chacrinha com o jeito deles de fazer , brincar,a música, a dança, as pastorinhas com a coisa das chacretes, o duplo sentido que muitas vezes a classe mais elitista torce o nariz para isso ,e que acabou indo até para a televisão e se apresentando e cativando uma variedade extensa de classe social. Enfim o velho representa o chefe dessa manifestação, um Velho safado, lembrando um pouco os Cabarés.
4-DE UMA FORMA GERAL O QUE ESSE PALHAÇOS REPRESENTAM NOS FOLGUEDOS DA CULTURA POPULAR BRASILEIRA?
Eles fazem a ponte entre essa o sagrado e o homem, entre uma coisa mais celestial e o homem .Ele é o protetor. Por exemplo no Cavalo Marinho o Mateus tem aquela postura anárquica, mas ao mesmo tempo ele protege. Ele dá bexigada nas pessoas. Cria um campo cênico onde a responsabilidade dele é de proteger as pessoas. Na Folia de Reis é também parecido. Quer dizer eles estão ali mas eles estão de certa forma protegendo o brinquedo. E a função deles é claro...é a função de um palhaço de zoar, brincar, tirar chacota, um barato e tudo mas ,porém sempre muito atento. Quando um palhaço chega ,já procura reconhecer todas as possibilidades de brincadeira daquele momento. Estando aberto e presente para os acontecimentos do momento. Aberto e conectado com a realidade política, social e humana do contexto em que esta brincando.
Enfim...o palhaço toma conta mas não dá conta como o diz o Mateus.
6-DE ONDE VOCÊ ACHA QUE VEIO ESSES PALHAÇOS?
Eles vem de uma influência bastante indígena. Não só os Mateus ,mas os Bastião também da Folia de Reis.
Tem os que se pintam...pitam a cara toda...não tem aquele clássico desenho de amplificar a boca a sobrancelhas, já vi uns que pintam umas faixas, outros que usam máscaras. Acho que vem dessa influência indígena e ao mesmo tempo em função da precariedade da situação em que a maioria surge .Assim eles acabam trabalhando muito com o material que tem na realidade deles. Teve um Mateus que conheci com a
cara pintada e um óculos com uma lente e o outro lado sem a lente...se vê que é o que ele conseguiu ir catando e montando, vi um outro com uma gravata solta e um chapéu que ele amarrou na cabeça.Eu já vi também um Bastião da Folia de Minas Gerais que a máscara dele é um saco de papelão ,era tão pobre que não tinha nem condição de criar uma máscara mais arrojada, então acho que esses palhaços se montam muito em função da realidade deles e com suas várias influencias dessa forma acabam também representando a realidade social em que vivem. Na máscara e na figura do Bastião tem uma influência Ibérica. A própria origem da Folia de Reis .É bastante claro todo sincretismo brasileiro que acaba fazendo com que a coisa se componha dessa forma.
Mas aqui já existia o teatro antes dos portugueses chegarem. Feito pelos indígenas .Algumas máscaras que vi indígenas e africanas lembram bastante essas máscaras de folia de Reis .
As influência também se dão através das danças, das batidas percussivas, do canto.
Identifico e sinto também muito a influência dos árabes em tudo especificamente na musicalidade e em alguns instrumentos.
7-EU PERGUNTEI UMA VEZ PARA UM PALHAÇO DE FOLIA DE REIS DO INTERIOR DE SÃO PAULO POR QUE ELE ESCOLHEU SER PALHAÇO E ELE RESPONDEU ,POR JESUS.COMPLEMENTEI A PERGUNTA ,MAS POR QUE A ESCOLHA?E ELE RESPONDEU: “ME ESCOLHERAM”. PODERIA DAR O SEU COMENTÁRIO EM CIMA DISSO:
As artes das culturas populares em geral têm uma relação muito forte com a religião, com a dança, com a música, enfim esta geralmente tudo interligado. Nesse caso eu identifico que as pessoas que escolheram ele, provavelmente os mestres dele, viram nele algum registro cômico, escolheu ele porque sentiu que ele teria jeito para a coisa ,ou para improvisar, ou para cantar, para brincar. Nessa questão eu identifico essas duas coisas a questão da fé ,da religiosidade e por isso ele responde por Jesus, né? Os palhaços da Folia de Reis tem a relação com o Auto de natal ,então é uma homenagem a Jesus Cristo, ao nascimento de Jesus, né ? E acho que ele estava fazendo porque alguém identificou nele características e facilidades de ser palhaço. É isso.
8-QUAL PERGUNTA VOCÊ FARIA PARA OS PALHAÇOS ?
Eu lembro que quando eu e Federal (PALHAÇO )fizemos mestre de cerimonias aos 20 anos do PT no Memorial da América Latina em 1999, no camarim ,o Lula perguntou: -“Por que palhaço?”
Essa seria a pergunta que eu faria para os palhaços: -“Por que palhaço?”
Eu tentaria tirar deles algo mais profundo do que uma resposta do tipo :-“Porque eu gosto...Acho divertido...”
Entende? Perguntaria :-“O que sente fazendo palhaço?” ou ainda :-“Quando você termina o que acontece dentro de você ?Quando você bota máscara o que você sente?”
9-O QUE É UM PALHAÇO DE VERDADE?.
Um palhaço mesmo ,seja da cultura popular brasileira ou seja palhaço de circo ou teatro, encontra-se na essência dele. Tem uma mistura de marginalidade, de herói, de desejo enorme de exorcizar a impotência que agente tem diante do mundo ,sabe? É uma pessoa que , na minha opinião, tá cagando e andando para esses valores morais totalmente equivocados e muitas vezes a moral da sociedade que esta há muito tempo sem moral nenhuma, então acho que um palhaço quando é mesmo um palhaço, esta no DNA dele, no olhar, no corpo, na voz, no pensamento dele, para mim é fácil identificar um palhaço, hoje em dia depois de 15 anos fazendo palhaço. Tem pessoas que percebemos que apenas representam ,não é um palhaço mesmo no sentido ativo da coisa, acredito também que tem pessoas que tem muita paixão pela arte do palhaço e gostam muito, mas entre você gostar e fazer realmente, tem uma distância muito grande .Acho que um verdadeiro palhaço se nutre de da própria injustiça que existe no mundo e aí ele se veste de palhaço ,monta o palhaço dele para poder exorcizar essa impotência que ele tem diante do mundo, quando vejo um palhaço de verdade , aquilo é uma espécie de afronta com a humanidade, uma espécie de transgressão absoluta .Para mim o que diferencia é justamente isso. Quando você vê uma cadeira aquilo é uma cadeira mesmo ,quando você um palhaço é porque é um palhaço, quando você não vê ,você não vê mesmo. Você vê que a pessoa não se nutriu de nada, de nenhuma experiência de vida ,de nenhum lirismo, de nenhuma atitude em relação ao mundo, não carrega arquétipo nenhum, nada que tenha composto ele mesmo . Um ser tem tudo dentro dele ,tem raiva, tem amor, tem paixão ,e é através do palhaço que ele exorciza isso tudo, que ele põe para fora, então não é fácil, mas para quem é palhaço fica realmente uma coisa fácil, porém para quem não é fica só disfarçando, macaqueando , representando ,preso na imagem do bem ,do bonzinho, aí você vê uma coisa caricatural, você não vê realmente um palhaço. E nem sempre essas pessoas que fazem palhaço também da cultura popular são palhaços ,sabe? Tem que ter um registro cômico na voz, no jeito que ele anda ,pensa e fala .Enfim, é importante que essa pessoa carregue isso ,quando não carrega só vira mais uma representação mesmo.
10-O QUE SENTE QUE FICA FALTANDO?
Além de tudo isso que já falamos ,acho que fica faltando identificar o lado político social desses palhaços. Fica faltando investigar o lado mais denso...profundo dessas pessoas que muitas vezes escolheram ser palhaço por uma questão de aptidão, de talento para fazer esses palhaços e no caso alguns como agente entrevistou no parque da Água Branca ,palhaços que são escolhidos as vezes para pagar promessa.
Mas acho que falta chegar na profundidade dessas figuras do velho do Pastoril, dos Mateus sabe? É como chegar numa criança e entender porque ela empina pipa. O que tem através desse ato? Qual a herança ancestral que aquela imagem carrega?
No caso dos palhaços seria importante chegar no DNA. Na coisa que esta lá atrás dessas figuras. O lado político e social.
Gostaria de falar sobre a marginalização que sofre esse tipo de artista no Brasil, porque enquanto tem um movimento enorme de pessoas fazendo palhaços no Brasil, festivais e tudo mais, eu acho que fica faltando dar uma atenção maior a esse universo do palhaço brasileiro. Que é muito rico ,no sentido de ser uma manifestação cultural artística nascida aqui .Quer dizer, com um DNA completamente brasileiro. Através desse contato com a dança, o teatro , a música dos índios ,dos africanos e dos europeus , nasceu esses tipos, essa figuras e essas tantas manifestações populares. Se você pega um cara que faz um palhaço da cultura popular e pega um cara que faz um palhaço europeu. Acho que o que fica faltando é darmos o devido valor aos palhaços . Principalmente aos palhaços da cultura popular brasileira, ou seja dar mais atenção, condições para eles se desenvolverem., se apresentarem, quando você vai num bom teatro aqui em São Paulo para ver um Katacali da Índia, que os artistas viajam o mundo inteiro, eu me pergunto: “Mas e os Mateus, Bastião das Folias, os Velhos do Pastoril, todos esses palhaços? Eles também poderiam estar viajando o mundo! Por que não? Fazendo várias apresentações, com a sua trupe ou seu grupo, ou enfim ,eu acredito que é isso que lá fora querem ver ,eles não querem ver aquilo que eles já conhecem muito bem e que já saiu do país deles e sim outros formatos de arte. Eu particularmente tenho muita vontade de ver palhaços que vêm da índia ou manifestações de palhaços indígenas ,formatos de palhaços da Turquia ou da África .Acho que lá fora existe também esse desejo de ver esse desenho de palhaço brasileiro mais genuíno que muitas vezes por aqui não se dá atenção e manutenção nenhuma . Acho que fica faltando isso ,dar uma atenção maior .Mostrar para os brasileiros ,ó: - Existe esse jeito de fazer palhaço aqui também e que muita gente desconhece e que nasceu aqui, no Brasil.
Figuras intrigantes e astutas...
A figura do palhaço permeia diferentes manifestações das culturas populares,
este arquétipo que habita o imaginário dos povos vem se manifestando em diferentes
formas por aqui atuando em folguedos e brincadeiras. Como sabemos
nosso país é composto por uma mistura étnica, cultural e religiosa recorrente de
uma história de colonização e escravidão.
Os palhaços que encontramos são conseqüentemente frutos dessa mistura. Figuras
intrigantes e astutas. Símbolos transgressores, anjos e demônios. Como dizem
os índios da tribo Kraôs : “Os sacerdotes do riso”.
este arquétipo que habita o imaginário dos povos vem se manifestando em diferentes
formas por aqui atuando em folguedos e brincadeiras. Como sabemos
nosso país é composto por uma mistura étnica, cultural e religiosa recorrente de
uma história de colonização e escravidão.
Os palhaços que encontramos são conseqüentemente frutos dessa mistura. Figuras
intrigantes e astutas. Símbolos transgressores, anjos e demônios. Como dizem
os índios da tribo Kraôs : “Os sacerdotes do riso”.
Mas quem são os palhaços da cultura popular brasileira? Onde estão essas figuras?
Na região sudeste por exemplo, conhecemos o palhaço Bastião da Folia de Reis,
também denominado Marungo o soldado de Herodes encarregado de matar o
Menino Jesus e/ou salvá-lo variando a sua função no folguedo conforme a interpretação
de cada região. Essa manifestação vem de uma tradição portuguesa
que ganhou força especialmente no século XIX e se mantém viva em muitas regiões
do país, sobretudo nas pequenas cidades dos estados de São Paulo, Minas
Gerais, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, dentre outros.
No nordeste há a forte presença do Velho, um palhaço do Pastoril Profano que integra
o ciclo das festas natalinas, particularmente, em Pernambuco, Paraíba, Rio
Grande do Norte e Alagoas. Este espetáculo por sua vez, é uma releitura do Pastoril
Natalino que conta de forma didática a chegada de Jesus na Terra. O profano
que surge com a figura do Velho e suas pastorinhas brinca com astúcia através
das metáforas e duplos sentidos, parodiando tudo e todos. Este tipo inspirou o
apresentador de televisão Chacrinha nascido na mesma região e que possuía
traços muito parecidos com os velhos do Pastoril Profano.
Tais figuras, tão nossas e tão distantes, parecem dialogar de outras formas com
o espaço e o tempo.
Os Mateus, por exemplo, figura palhacesca presente em folguedos de Bumbameu-
Boi, Cavalo-Marinho e demais variantes, dão-nos a impressão de surgirem
diretamente das entranhas da terra com a cara pintada de preto- carvão ,
personificando a força ancestral negra através das danças, ritmo e mandingas.
Apresentam-se geralmente nas ruas, pisando e dançando firme no chão de terra,
pela noite, madrugada e muitas vezes manhã à dentro.
Toda situação carrega características próximas do que se define como ritual, onde
o tempo e o espaço transcendem a leitura linear cotidiana e se tornam cíclicos e
orgânicos, comungando com as leis da natureza.
E de quantas formas diferentes manifesta se
o palhaço brasileiro!
Mandingas, duplos sentidos, loas, trupés, bexigadas de boi, carvão moído, bengala
de cobra, caretas, chapéus de cone...Dentro de um universo cultural exuberante
eles foram se configurando aos poucos nessa pesquisa, tomando formas
e criando novas possibilidades de estudo e despontando para novos questionamentos
e ensinamentos.
Se o palhaço nasce e desponta em cada canto por uma mesma necessidade coletiva
de um olhar diferente sobre o mundo, porque não enxergarmos através de
nossos palhaços e pelas suas retinas o desenhar de uma nova poesia?
21 de junho de 2010
Entrevista sobre o livro para Just TV
18 de junho de 2010
Onde estão os nossos palhaços?
Onde estão os nossos palhaços? Os palhaços filhos da nossa terra e criados a partir da necessidade do povo em brincar a sua maneira, de transformar sua realidade em festa e seus instrumentos de trabalho em ferramentas da arte? Essas são algumas das perguntas que nos motivaram a enfiar nossos narizes de palhaço no campo da pesquisa.
Com a contemplação do Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo a pesquisa sobre os Palhaços da cultura popular brasileira conseguiu se concretizar e se transformar nesse estudo sobre a investigação dos palhaços brasileiros inseridos nas brincadeiras e manifestações populares. Como conseqüência da pesquisa foi possível alçar novos vôos na busca de diferentes maneiras de se fazer, ver e aprender tal arte.
A busca foi o mergulho dentro das manifestações culturais como O Pastoril Profano, A Folia de Reis, O Cavalo-Marinho (ou Bumba-meu-boi) entre outras. O estudo tem como referência leitura de livros sobre os temas, conversa com pesquisadores, estudiosos da área, intelectuais e entrevistas com palhaços atuantes.
Esses palhaços, personagens cômicos, ora lembram o nosso palhaço tradicional como: Picolino, Arrelia, Carequinha, etc. Ora negros fugidos ou mascarados protetores do menino Deus. Procuramos sempre, nessa pesquisa, preservar os saberes daqueles que dão sentido e novos signifcados a palavra “brincar”, pois a maioria dos participantes da cultura popular não se intitulam bailarinos, atores, cantores e sim “brincantes”.
Palhaço é um personagem antigo, cômico que todos estão normalmente habituados a reconhecê-lo com sua máscara muito tradicional: o seu nariz vermelho saltitando do rosto. Porém, os personagens palhaços encontrados nessas festas populares não possuem, em sua maioria, o nariz vermelho mas demonstram nas roupas diferentes, maquiagens carregadas de carvão e sotaques engraçados , características nacionais, fazendo brincadeiras com nosso português, utilizando dos nossos ritmos musicais, abusando da nossa gestualidade, se inspirando em nossos hábitos cotidianos para mostrar suas intervenções com originalidade e sabedoria . São grandes artistas e possuem histórias curiosíssimas além de serem merecedores da nossa
valorização como personagens cômicos para uma referência ao palhaço brasileiro
de maneira geral.
Para conhecer nossos palhaços foi preciso viajar e vivenciar as entranhas do nosso país. Conhecemos não só os palhaços nessas viagens, mas também o povo e a paisagem que são a inspiração desses personagens que imitam e parodiam a vida. Um dos locais foi a Zona da Mata de Pernambuco, situado na casa de um brincante de Cavalo Marinho chamado Aguinaldo da Silva que vivenciamos esse “estado do brincar” tão presente. Agnaldo foi uma ponte essencial, que nos levou até dois palhaços importantíssimos para esta pesquisa: Mateus Martelo e Mateus Borba. Cada palhaço que conhecemos foi uma fonte de poesia, musicalidade, graça, sabedoria de vida, ideologia e irreverência.
Nós, amantes da palhaçaria, degustamos cada uma das entrevistas, dos diálogos e das apresentações, concedidas de forma muito generosa com total atenção. Não foi desperdiçada nenhuma peça fundamental desse jogo de quebra-cabeça cheio de charadas e versos em rimas, que só um autêntico palhaço pode nos apresentar:
“ O SENHOR VAI SABÊ, VAI SABIÁ E VAI SABENDO...”
Mateus Borba
Os nossos palhaços estão bordados pela cultura que compõem a nossa história manifestando o imaginário popular na sua mais alta potência e densidade.
Se estudarmos a arte do palhaço tendo em vista o palhaço brasileiro seremos capazes de entender melhor, não somente essa arte, mas também, o ser brasileiro. Eles são o espelho de nossa sociedade. Representam a voz de povos cuja memória e sabedoria foram pouco valorizadas. Nossos palhaços estão por aí. Alguns um pouco cansados convenhamos, devido à desvalorização, às difculdades da vida material, à ausência de cidadania e à difculdade de alcançar uma vida mais digna. Porém ainda intensos, poéticos, criativos, intrigantes e contraditórios. Cheios de histórias para contar e histórias no qual nem percebemos que são sobre nós mesmos. Eles estão espalhados pelos quatro cantos desse nosso país paradoxal entre
maravilhas e misérias. Esperamos que este trabalho facilite o acesso aos estudos desse ofício, complementando e, de certa forma, sugerindo a importância desses como parte fundamental para o entendimento global da palhaçaria brasileira.
“O teatro brasileiro precisa ser descoberto. Pouco se tem feito nesse sentido e essas formas primitivas de arte popular fornece- rão um mundo de sugestões que poderão ser transpostas para o palco sem prejuízo de sua pureza e essência”
Hermilo Borba Filho
*Comente e faça desses pensamentos, pensamento vivos!*
Com a contemplação do Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo a pesquisa sobre os Palhaços da cultura popular brasileira conseguiu se concretizar e se transformar nesse estudo sobre a investigação dos palhaços brasileiros inseridos nas brincadeiras e manifestações populares. Como conseqüência da pesquisa foi possível alçar novos vôos na busca de diferentes maneiras de se fazer, ver e aprender tal arte.
A busca foi o mergulho dentro das manifestações culturais como O Pastoril Profano, A Folia de Reis, O Cavalo-Marinho (ou Bumba-meu-boi) entre outras. O estudo tem como referência leitura de livros sobre os temas, conversa com pesquisadores, estudiosos da área, intelectuais e entrevistas com palhaços atuantes.
Esses palhaços, personagens cômicos, ora lembram o nosso palhaço tradicional como: Picolino, Arrelia, Carequinha, etc. Ora negros fugidos ou mascarados protetores do menino Deus. Procuramos sempre, nessa pesquisa, preservar os saberes daqueles que dão sentido e novos signifcados a palavra “brincar”, pois a maioria dos participantes da cultura popular não se intitulam bailarinos, atores, cantores e sim “brincantes”.
Palhaço é um personagem antigo, cômico que todos estão normalmente habituados a reconhecê-lo com sua máscara muito tradicional: o seu nariz vermelho saltitando do rosto. Porém, os personagens palhaços encontrados nessas festas populares não possuem, em sua maioria, o nariz vermelho mas demonstram nas roupas diferentes, maquiagens carregadas de carvão e sotaques engraçados , características nacionais, fazendo brincadeiras com nosso português, utilizando dos nossos ritmos musicais, abusando da nossa gestualidade, se inspirando em nossos hábitos cotidianos para mostrar suas intervenções com originalidade e sabedoria . São grandes artistas e possuem histórias curiosíssimas além de serem merecedores da nossa
valorização como personagens cômicos para uma referência ao palhaço brasileiro
de maneira geral.
Para conhecer nossos palhaços foi preciso viajar e vivenciar as entranhas do nosso país. Conhecemos não só os palhaços nessas viagens, mas também o povo e a paisagem que são a inspiração desses personagens que imitam e parodiam a vida. Um dos locais foi a Zona da Mata de Pernambuco, situado na casa de um brincante de Cavalo Marinho chamado Aguinaldo da Silva que vivenciamos esse “estado do brincar” tão presente. Agnaldo foi uma ponte essencial, que nos levou até dois palhaços importantíssimos para esta pesquisa: Mateus Martelo e Mateus Borba. Cada palhaço que conhecemos foi uma fonte de poesia, musicalidade, graça, sabedoria de vida, ideologia e irreverência.
Nós, amantes da palhaçaria, degustamos cada uma das entrevistas, dos diálogos e das apresentações, concedidas de forma muito generosa com total atenção. Não foi desperdiçada nenhuma peça fundamental desse jogo de quebra-cabeça cheio de charadas e versos em rimas, que só um autêntico palhaço pode nos apresentar:
“ O SENHOR VAI SABÊ, VAI SABIÁ E VAI SABENDO...”
Mateus Borba
Os nossos palhaços estão bordados pela cultura que compõem a nossa história manifestando o imaginário popular na sua mais alta potência e densidade.
Se estudarmos a arte do palhaço tendo em vista o palhaço brasileiro seremos capazes de entender melhor, não somente essa arte, mas também, o ser brasileiro. Eles são o espelho de nossa sociedade. Representam a voz de povos cuja memória e sabedoria foram pouco valorizadas. Nossos palhaços estão por aí. Alguns um pouco cansados convenhamos, devido à desvalorização, às difculdades da vida material, à ausência de cidadania e à difculdade de alcançar uma vida mais digna. Porém ainda intensos, poéticos, criativos, intrigantes e contraditórios. Cheios de histórias para contar e histórias no qual nem percebemos que são sobre nós mesmos. Eles estão espalhados pelos quatro cantos desse nosso país paradoxal entre
maravilhas e misérias. Esperamos que este trabalho facilite o acesso aos estudos desse ofício, complementando e, de certa forma, sugerindo a importância desses como parte fundamental para o entendimento global da palhaçaria brasileira.
“O teatro brasileiro precisa ser descoberto. Pouco se tem feito nesse sentido e essas formas primitivas de arte popular fornece- rão um mundo de sugestões que poderão ser transpostas para o palco sem prejuízo de sua pureza e essência”
Hermilo Borba Filho
*Comente e faça desses pensamentos, pensamento vivos!*
17 de junho de 2010
Lançamento do livro "Palhaços do Nosso Povo"
As autoras e o Centro de Memória do Circo
Apresentam
Lançamento do livro “Palhaços do nosso Povo”
Autoras: Maria Lulú e Monique Franco - Orientador: Clerouak
“Quem são esses homens de tez encardida e passos graciosos? Quem são esses magos de magras figuras e riso na boca? Quem são esses reis sem níquel no bolso, mas fartos de festa? Deviam se maldizer e dançam” (Texto do escritor Oswaldo Barroso na 4ª capa do livro)
Contemplado pelo Prêmio Funarte Carequinha de Estímulo ao Circo 2009, a pesquisa “Os Palhaços da Cultura Popular Brasileira” conseguiu se concretizar e se transformar no livro denominado “Palhaços do Nosso Povo”, que mostra a investigação sobre arte dos palhaços brasileiros inseridos nas brincadeiras e manifestações populares. Como conseqüência de pesquisa foi possível alçar novos vôos na busca de diferentes maneiras de se fazer, ver e aprender tal arte. Além de entrevistas com palhaços e pesquisadores, o livro traz fotos dos palhaços da cultura popular brasileira. Na noite de lançamento o livro será distribuído para Cias. de Circo, de Teatro, Escolas, Trupes Circenses entre outras. Para demais interessados o livro será comercializado no coquetel de lançamento, em algumas livrarias ou pelas próprias autoras. Na noite de lançamento haverá performances das autoras e do orientador, além de exibição de um documentário curta metragem de 10 minutos, com imagens recolhidas durante a pesquisa para o livro. Saiba mais sobre as autoras e o orientador abaixo.
Lançamento do livro “Palhaços do nosso Povo”.
Dia 24 de junho de 2010, Quinta-feira, a partir das 18h30 - Entrada Franca.
Centro de Memória do Circo – Galeria Olido
Av. São João, 473 – Térreo – Centro – SP - Tel. 3397 0177
Imprensa: Edson Lima / O Autor na Praça – 9586 5577 - edsonlima@oautornapraca.com.br
Patrocínio e viabilização do livro: Cia. Clerouak e Maria Lulu, Cia. Baitaclã, FUNARTE - Ministério da Cultura, Governo Federal, Fundação Athos Bulcão e Cooperativa Paulista de Teatro
Apoio: Centro de Memória do Circo, O Autor na Praça, Galeria Olido, DPH - Departamento do Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo e Prefeitura do Município de São Paulo
SOBRE AS AUTORAS
Maria Lúcia Judas (Maria Lulú) é Atriz, palhaça e musicista, nasceu na capital paulista em agosto de 1980. Iniciou seus estudos nas artes cênicas em 1992 no Instituto Madre Mazzarello, prosseguindo sua trajetória em diferentes grupos e escolas de teatro de sua cidade. Em 1999 ingressou no curso de Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP, formando–se no ano de 2004 em artes cênicas e performance. Em seguida aprofundou seus estudos em direção a arte do palhaço e da música. Em 2007 passou a estudar a dança, o teatro e a música na cultura popular brasileira no curso de formação do Instituto Brincante. Atualmente trabalha com a palhaça Maria Lulú apresentando seus espetáculos de palhaço cuja principal temática é a musicalidade e as culturas de diferentes países.
Monique Franco é Atriz e Palhaça, iniciou seus estudos no Teatro em 2002 onde participou de diversas montagens cênicas como "Na Carrera do Divino" de Carlos Alberto Soffredini entre outras. No ano de 2004 iniciou sua pesquisa na linguagem da comédia através da Commedia del' art, posteriormente participou do Workshop de Palhaço ministrado por Francesco Zigrino. Formou-se em 2006 pelo Programa de Formação de Palhaços para Jovens dos Doutores da Alegria resultando no espetáculo “Uma Besteira Qualquer”, com direção de Bete Dorgam, trabalha atualmente como Assistente Educadora no respectivo projeto. No ano de 2008 conheceu o Instituto Brincante onde desenvolveu sua pesquisa na área da Cultura Popular e da Arte Educação. Integra a Cia Baitaclã ao lado de Sabryna Mato Grosso e Heraldo Firmino, onde a cultura popular e a linguagem do Palhaço permeiam todos os espetáculos e produções da Cia.
O orientador Clerouak é palhaço e músico, neto de Capitão de Congado Mineiro e palhaço de circo, vem pesquisando a linguagem artística dos palhaços desde 1993, quando iniciou seus estudos com a tradicional Família Medeiros. Em 2001 passou a pesquisar paralelamente os palhaços da cultura popular brasileira, se apresentando também como Mateus do Cavalo Marinho com o Grupo Boi Marinho dirigido por Helder Vasconcelos. Em 2003 gravou o seu CD de música Étnica: “Música do Quarto Mundo”, onde entre outros ritmos pesquisou principalmente a musicalidade do universo popular brasileiro.
EM BREVE O BLOG TERÁ TEXTOS DAS ENTREVISTAS FEITAS PARA O LIVRO NA INTEGRA, DICAS DE VÍDEOS, IMAGENS E MUITO MAIS. AGUARDEM.
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